Nas palavras de Rosana Machado-Pinheiro, uma das fundadoras, a Escola Comum “não é só uma escola de governo para a periferia; é uma escola de governo para pensar em governar do modo ‘comum’”. Ou seja: governar levando em conta a coletividade. De tão relevante para o empreendimento, a ideia é impressa até em seu nome.
Não é só nisso que a iniciativa se difere de outras com o mesmo escopo. O grupo de acadêmicos que a fundou – além da Rosana, Esther Solano, Tulio Custódio, Will Schmaltz, Fábio Bezerril, Elaine Lizeo e Ana Paula Vargas Maia – “tentou pensar a escola de maneira mais ambiciosa”. Para isso, buscaram inspiração de ensino nas melhores instituições do mundo. “Queríamos fazer uma coisa no nível de excelência internacional”, declara Rosana, cientista social, antropóloga e ex-professora do departamento de Desenvolvimento Internacional da Universidade de Oxford.
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Com esse foco qualitativo também acontece a seleção de alunos, feita por Elaine, que já realizou estudos sobre liderança no MIT (Massachussetts Institute of Technology). Graças à rede de estudiosos, com perfil de circulação em universidades internacionais e com trabalhos sobre a periferia, o conceito foi posto em prática.
Contando com a generosidade do Clube de Mães do Brasil e da plataforma Multform, que gerem e mediam o Castelinho da Rua Apa, conseguiram se instalar no imóvel emblemático do centro de São Paulo. Durante um ano, os estudiosos montaram a equipe que daria aula. Hoje, ela é formada por grandes especialistas brasileiros, que têm perfil alinhado com o da Escola Comum, explica a antropóloga.
Forma e conteúdo
São esses experts que comandam as aulas no período da manhã. Na parte tarde, a turma é guiada por voluntários que trabalham estudo de casos coletivos, baseados na questão que foi levantada na manhã – e isso inclui atividades externas. Quando a Escola Comum abriu as portas para voluntários, a “procura foi imensa”, segundo Rosana. “Temos hoje 100 voluntários – todos com currículos excepcionais, desde empresários a intelectuais e artistas renomados”, continua.
Inspirada nas escolas de governo de Harvard e Oxford, o projeto pedagógico se baseia em conteúdo de relevância mundial, como temas ligados ao combate à pobreza. Os alunos aprendem, inclusive, em aulas práticas, sobre redes sociais, como se colocar e sobre protocolo diplomático. Mas, em qualquer assunto tratado, o foco é sempre pensar na relação daquilo com o coletivo – o próprio conceito de “comum” também é um ponto discutido.
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Uma das aulas, chamada “Laboratório do Futuro Comum”, consiste exatamente na abordagem de tópicos que são tendência, como a questão da inovação, tecnologia e compartilhamento.
Além das universidades, outra iniciativa que serviu de inspiração é a Open Air, que, assim como a Escola Comum, equilibra a intenção de atingir excelência internacional e teor “popular”, para Rosana. Open Air significa Open African Innovation Research Partnership e consiste em uma rede colaborativa de pesquisadores, que “trabalham negócios a partir de uma lógica popular”, explica.
A princípio no Castelinho da Apa, hoje a iniciativa é itinerante. A decisão veio do intuito de expor os alunos, que são da periferia, a lugares em que muitos ainda não conheciam. Por meio de parcerias, a Escola Comum já passou por locais como o escritório da Thoughtworks e a Base Colaborativa, por exemplo.
A primeira turma da Escola Comum
Lançada neste ano, a Escola Comum tem uma primeira turma de 24 alunos – composta, em sua maioria, por mulheres negras. Inicialmente, 26 foram selecionados, mas dois dos estudantes – todos são de baixa renda e moradores das periferias – não puderam seguir com o curso por terem conseguido emprego. No entanto, desde o início das aulas “não houve nenhuma desistência” que não fosse por necessidade, conta a cientista social. E completa: “eles não faltam uma aula”.
Conseguir o número de inscritos foi o principal obstáculo inicial da equipe da Escola Comum, principalmente por dificuldades de comunicação. “Subestimamos nossa capacidade de chegar nos jovens de periferia” diz ela. A divulgação em vários portais de notícias foi o que colaborou para que o número de inscrições aumentasse.
Entre os requisitos de seleção estavam ter cursado Ensino Médio na rede pública ou como bolsista na rede privada e ter renda familiar de, no máximo, dois salários mínimos. Mesmo com backgrounds que, muitas vezes, favorecem a deficiência no aprendizado base, os jovens têm muito potencial e disposição, segundo Rosana. “A gente tinha medo do desafio de ter que adaptar linguagem, de aula de Economia [por exemplo]. Eles são muito bons e não precisa de nada disso”, diz.
“Dei uma aula de desenvolvimento internacional que é a mesma que dava no mestrado em Oxford e eles acompanharam tudo – claro que mudei um pouco a linguagem, mas de modo geral, eu falo da mesma maneira em qualquer lugar. Eles acompanharam tudo e pediram mais.”
Acompanhamento
O programa de aulas tem duração de um ano, mas a Escola Comum proporcionará acompanhamento de carreira por mais um ano, depois que a turma se formar. Conforme afinidade com áreas e professores, os alunos serão divididos e vão receber orientação profissional personalizada.
Além disso, a professora explica que outro objetivo após a formação da primeiro grupo é “formar uma identidade entre os alunos” e montar uma “rede comum”. “Eles vão ser sempre chamados para falar em sala de aula e contar sua experiência. Inclusive para participar da formação da [Escola] Comum, mesmo, do projeto pedagógico, sempre vamos tentar trabalhar com eles”, completa.
Financiamento
Se o primeiro desafio foi pensar em um plano pedagógico, agora os acadêmicos buscam estabelecer um projeto financeiro sustentável. No início, quando ainda precisavam de pouco capital, conseguiram por meio de financiamento coletivo, promovido de forma online. O dinheiro conseguido pelo crowdfunding, por enquanto, sustenta a iniciativa – entre os gastos ainda estão vale transporte e almoço para os estudantes -, mas não é mais o ideal, por não funcionar a longo prazo.
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Na etapa atual, a Escola Comum vai começar a testar um modelo baseado em “assinaturas”. Nesse plano, as pessoas podem se tornar membros e, conforme a contribuição, receber contrapartidas. Se a nova estrutura de financiamento não funcionar, os gestores vão procurar financiamento internacional. Para essa possível terceira etapa, Rosana conta que já selecionaram uma “equipe de pessoas extremamente qualificadas”.