Lourenço Bustani, CEO da Mandalah

Muitas consultorias espalhadas pelo mundo aproveitaram o momento de crescimento do Brasil para se instalarem no país. Algumas conseguiram resultados positivos, outras nem tanto. Mas uma consultoria brasileira conseguiu perceber o modelo Brasil para se destacar internacionalmente como um think tank sobre estratégia, inovação, modelagem de negócios, e constituição de cenários estratégicos. A consultoria Mandalah, com sede em São Paulo e escritórios espalhados pelo mundo, inova na forma de atuação, e principalmente no desenvolvimento de suas atividades de consultoria, saindo do modelo de papéis prontos. Uma idéia mais clean, mas com forte pegada de inovação, criatividade e altos estudos.

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O blog Brasil no Mundo conversou com o CEO da consultoria Mandalah, Lourenço Bustani, em Nova York. Filho de diplomatas brasileiros, ele nasceu lá e se formou em Relações Internacionais e Ciências Políticas pela Universidade da Pensilvânia, com estudos paralelos em Administração pela escola de negócios Wharton, da mesma universidade. Iniciou sua carreira na área de finanças, seguiu para consultoria de gestão em negócios e logo migrou para o branding. Foi quando veio para o Brasil que fundou a Mandalah, consultoria de inovação consciente sediada em São Paulo e com escritórios no Rio de Janeiro, Fortaleza, Nova York, São Francisco, Cidade do México, Berlim e Tóquio. Hoje ele é considerado uma das 100 pessoas mais influentes no Brasil. Em entrevista a Exame.com, Lourenço falou do desenvolvimento da Mandalah e também dos cenários estratégicos para o Brasil e o mundo.

Confira a entrevista com o CEO da Mandalah:

Como nasceu a Mandalah e seu conceito?

A Mandalah nasceu de uma vontade de estabelecer outros tipos de diálogo no mercado, pautados no princípio de que é possível sim gerar valor sem sacrificar valores. E tudo isso começa quando marcas e pessoas se enxergam umas nas outras. Por isso temos o “h” no final do nome Mandalah, que representa esse elemento humano que queremos resgatar nas relações de mercado. Apostamos que o lucro e o propósito podem e devem andar juntos, em uma dança simbiótica na qual todos saem ganhando. Afinal, valor se cria e valor se compartilha. Chamamos isso de inovação consciente, justamente por acreditar que só é inovador aquilo que melhora a vida das pessoas. A Mandalah vê nas organizações esse mandato de transcender um mercado meramente de consumo, daquilo que é vendido e comprado, e pensar além, pensar a sociedade. E aos mais reticentes, os números têm comprovado: quem faz o bem se dá bem.



Uma das grandes referências da Mandalah está no processo de design thinking e inovação. Considerando que a Mandalah está presente no Brasil,  México, Estados Unidos, Alemanha e Japão, quais as grandes diferenças entre os países no desenvolvimento do processo de inovação? Quais as grandes vantagens que cada país oferece para a construção da inovação?

Detrás de qualquer processo de inovação estão pessoas e suas bagagens. No quadro de profissionais da Mandalah, estão representados mais de 15 países e 20 disciplinas. Essa mistura amplia nosso olhar, aguça nosso rigor e, o principal, gera perguntas das mais inusitadas, que nos levam a pensar novas possibilidades, cenários e futuros. Design thinking é apenas uma abordagem, um modo de buscar inspiração e trabalhar com analogias. Existem outras ferramentas, metodologias, mas nenhuma é mais reveladora que a própria intuição coletiva de quem desenvolve um projeto. As diferenças entre os escritórios, portanto, não se dão necessariamente por questões geográficas, mas sim em função dos profissionais que atuam em cada cidade. E como o bolo é bem misturado, não dá para generalizar muito não.



Lourenço Bustani [Facebook/MarcusHausser]

Na sua visão, quais os principais problemas, ou barreiras, que as empresas brasileiras sofrem em relação à inovação?

Falar disso tem muito a ver com a própria missão da Mandalah. Vivi muito tempo fora do Brasil, por conta da carreira diplomática dos meus pais, e no meu curto período trabalhando em consultoria e banco percebi que certas estruturas tradicionais de comando e controle não eram minha praia. Chegando no Brasil, às vésperas de fundar a Mandalah, vi um mercado carente e portanto fértil para ideias inovadoras e consistentes. Mas, não dá para negar, também me impactei ao ver um déficit gigantesco em termos de profissionalismo e ética. Estamos melhorando, ganhando seriedade, mas não resta dúvida de que o Brasil promessa, o Brasil do futuro de que todos falam há tanto tempo, passa e muito por esse longo percurso que ainda precisamos percorrer, rumo a posturas mais conscientes e coerentes. Isso é para qualquer área de uma organização, não só para a inovação. Mas em relação a ela, especificamente, costumo citar como barreiras 1. a inércia e o medo que ainda mantêm executivos imersos em seu apreço pela previsibilidade; 2. o descompromisso e a falta de liderança – aqui, é muito fácil falar com tomadores de decisão, ganhar um tapinha nas costas e ouvir um “nos falamos depois”. Lá fora, é muito difícil ter a agenda de um líder, mas que irá recebê-lo atento para, se ouvir o chamado, realizar o quanto antes um projeto realmente disruptivo; e 3. a miopia característica de tantos outros mercados que ainda não se libertaram do custo prazismo e de métricas voltadas exclusivamente ao lucro. Saber valorizar um investimento a longo prazo e entender que o propósito é um caixa igualmente importante para qualquer organização são passos essenciais de um Brasil mais inovador, ou, ao menos, com mais coragem para inovar.



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O Brasil tem alguns indicadores complicados em relação à educação, inovação e competitividade. Na sua visão, que soluções a curto prazo o governo e empresas deveriam desenvolver para melhorar os indicadores do Brasil?

Acho o adjetivo ‘complicados’ muito tímido. Nossos indicadores são preocupantes e lamentáveis. Tendo a ser muito otimista, e coloco valor em qualquer mudança positiva, por mais incremental que ela seja, mas a solução para o Brasil definitivamente não está no curto prazo. Muito pelo contrário. Nosso governo precisa de uma vez por todas se desprender dos mandatos eleitoreiros e olhar lá na frente. Não se faz educação do dia para a noite. Um país não se torna inovador e competitivo a partir de uma decisão pontual, uma política pública ou um decreto. Educação, inovação e competitividade são também indicadores culturais, e essa mudança cultural ainda está em um estágio embrionário. Por trás de tudo isso, precisamos também falar de um sistema de corrupção que consome recursos que deveriam estar alocados em finalidades nobres. Precisamos arrumar a cozinha primeiro.



A Mandalah nasceu no Brasil, em São Paulo. Como foi o desenvolvimento global da companhia? Quais os grandes desafios? E os próximos projetos no mundo?

Nossa globalização foi planejada desde a fundação da empresa, embora não tivéssemos muita noção de quando e para onde cresceríamos. Ela foi sendo articulada a partir de relacionamentos pessoais preexistentes, na medida em que as oportunidades foram surgindo. Os desafios, que continuam existindo até hoje, giram em torno do alinhamento entre os escritórios. Nesse sentido, temos atingido grandes marcos. Além de já estarmos hospedados no mesmo servidor, temos intercâmbio de profissionais entre os escritórios, uso de mesmos templates, alinhamento nos esforços de recrutamento e parceria na realização de projetos com a participação de dois ou mais escritórios. Ser global, afinal, só faz sentido se as pessoas estão se misturando e potencializando sinergias entre si. Meu mandato enquanto CEO global é justamente esse: integrar ao máximo a Mandalah ao redor do mundo. Quanto a próximos projetos, estamos de olho na Inglaterra.



Que cenário você construiria para o Brasil para os próximos 5 anos?

Pergunta extremamente difícil e dolorida. O Brasil, a meu ver, perdeu sua grande oportunidade nestes últimos tempos. Tínhamos tudo para aproveitar a onda de euforia desencadeada já em 2007, quando fomos eleitos sede da Copa. A demanda interna estava aquecida, o desemprego baixíssimo, muito capital estrangeiro entrando, inflação sob controle, e o Brasil estava se tornando um país de classe média pela primeira vez em sua história. No entanto, essas variáveis promissoras não se traduziram em uma mudança estrutural para o país. Educação e saúde continuam em níveis emergenciais, carecemos de infra-estrutura, a desigualdade não diminui, a corrupção reina e as dificuldades burocráticas e tributárias distanciam estrangeiros. Aliando isso à falta de mobilidade nas grandes capitais e de saneamento básico em todo o Brasil, temos o quadro de um país que carece de fundamentos essenciais para prosperar de forma sustentável. Dito isso, acho que a nação acordou para essa triste realidade. Os protestos de 2013 deixaram seu legado. Tem político que não quer jogar sujo, tem empresa que quer fazer o bem e líderes da sociedade civil mobilizando suas bases e colocando novos assuntos na pauta do povo. Estamos caminhando, talvez não na velocidade que deveríamos, mas o movimento é sem dúvida para frente. Até porque no fundo do poço sempre tem uma mola.

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Este artigo foi originalmente publicado em EXAME.com

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