Fundadores da Kyvo, consultoria de inovação e aceleradora

O nome Kyvo (adaptação do tupi-guarani kywõ, que significa “do lado de cá”) foi escolhido para representar a multiculturalidade e a pegada multidisciplinar que os fundadores queriam dar à consultoria de inovação focada em design de serviços fundada em 2015, em Curitiba, com um braço em São Paulo. No início, com o investimento de 100 mil reais, os três sócios – o cientista da computação paraense Hilton Menezes, 43, o único que morava em São Paulo, o paranaense Israel Lessak, 27, especialista em design centrado no usuário, e o baiano Vitor Perez, 31, designer especializado em gamificação – faziam tudo sozinhos. O conceito era o de butique: trabalho personalizado de metadesign (ou design de serviço, uma abordagem para criar métodos) para construir soluções inovadoras junto com os clientes.

Atualmente, a Kyvo tem dois negócios com times distintos: uma consultoria de service design, que coloca o usuário no centro de tudo, e uma aceleradora corporativa. Além deles, duas outras frentes estão em fase avançada de estruturação: transformação digital e inovação organizacional, esta voltada para o RH. Em 2017, essas iniciativas levaram o negócio a um crescimento de 300%. Este ano, a previsão é crescer entre 60 e 100%. Outra boa métrica de sucesso, segundo os sócios, é que, entre o time de 25 pessoas (todas recebem bônus), quatro profissionais assinaram contrato de vesting (que dá direito de adquirir participação societária na empresa).

Leia mais: Design de serviços: no mundo do trabalho, a atenção aos detalhes faz toda diferença

Os fundadores construíram a marca Kyvo ao longo de três anos. Foram 100 projetos para clientes como Mapfre, BRF, Google e Raízen. A equipe aumentou, a sede da operação foi transferida para São Paulo e unidades de negócio foram estruturadas com parceiros no Rio de Janeiro, Vitória, Curitiba, Florianópolis e Belém. Para poder se tornar uma aceleradora de startups, eles firmaram, em 2016, um acordo de representação exclusiva com o GSV Labs, no Vale do Silício. E, em fevereiro deste ano, um escritório foi aberto em Lisboa, em sociedade com o luso-brasileiro Mauro Bastos, com o objetivo de gerar projetos de transformação digital Europa afora. Tudo isso, curiosamente, sem nunca ter captado investimento: quando precisaram se capitalizar, os fundadores preferiram recorrer a empréstimos bancários.

Evangelizar e fazer de graça, até o mercado entender o produto

Hilton, CEO apenas fora da empresa (ele conta que, dentro da consultoria, eles não usam cargos), diz que além de já nascerem sob o conceito de organização não-hierárquica e orgânica, eles sempre quiseram se internacionalizar. “A gente pensa grande, mas começou pequeno. Primeiro, estabelecemos um nome. Depois, discutimos propósito e qual seria nosso posicionamento no mercado brasileiro. Percebemos que, à época, as empresas que entenderiam o que nós ofertávamos como valor eram grandes corporações, com faturamento acima de 50 milhões de reais. Isso porque, elas já entendiam o processo do design como algo relevante para a vida delas.”

Mesmo elencando como cliente-alvo organizações maduras, os “kyvers”, como eles se autodenominam, entendiam que ainda era preciso evangelizar e divulgar o service design.

Montaram, então, um conjunto de palestras e workshops sobre a metodologia de design de serviço centrado no ser humano e ofereciam aos potenciais clientes gratuitamente.

Do lado dos consumidores, parece óbvio que se deva criar negócios com foco nas pessoas. Mas segundo os sócios, como as empresas, em geral, são focadas em produtos, é muito comum esquecerem disso na equação. Eles afirmam que, no modelo industrial, na esteira de produção leva-se em conta a entrada de insumos e as etapas. O cliente só entra ao final do processo. Entretanto, dizem que quando se fala de algo intangível como serviço, o cliente deve participar de todo o processo, inclusive da construção. Mas até hoje, isso ainda não é tão claro, como fala Hilton:

“Tem muita gente com cabeça de produto querendo inovar. E a gente fala que uma seguradora não vende produto, banco não vende produto: vendem serviço — e isso muda tudo”

Assim, os sócios descobriram um diferencial: agir de modo contrário às empresas acostumadas a vender consultoria de produto, que simplesmente adaptavam o discurso para vender serviços. “Quando se pensa em produto, a inovação nunca está voltada a partir da necessidade da pessoa. Está relacionada ao nível operacional, com otimização, performance, redução de custo e, não necessariamente, aplicada à estratégia de negócio”, diz Israel, que exerce as funções de CDO – Chief Design Officer. Estava aí mais um ponto a ser trabalhado.

Inverter o jogo para subir a régua

A proposta da Kyvo passava pela premissa de discutir inovação em nível estratégico e pensar de maneira mais sistêmica. Logo no primeiro ano, os sócios perceberam que isso dependia do estágio de maturação do contratante. Assim, para preservarem as entregas, os fundadores começaram a balizar o grau de maturidade dos clientes. Continuavam a provoca-los para que entendessem que podiam subir o nível de percepção, mas tomando o cuidado para que, ao final do trabalho, eles vissem valor no que era feito.

“A gente leva Human Centered Design tão a sério que fazemos isso com os nossos clientes. Colocamos eles no centro e discutimos qual deve ser o melhor formato para entregarmos algo de valor. Então, usando o mesmo conceito de design, a gente muda e adapta nossos método e entrega”, diz Vitor, COO da Kyvo.

Em termos financeiros, essa atitude passou a evitar situações em que o resultado para a empresa fosse desfavorável. Hilton lembra que em vários projetos, eles foram contratados por uma área com grau de maturidade alto. Foram executar em outra, com grau de maturidade menor e, por isso, tiveram um esforço maior de horas de trabalho, que inicialmente não haviam sido pensadas. Nem por isso, a Kyvo deixou de atuar com projetos setorizados, nascidos em uma só área, mas o time passou a focar esforços nos níveis superiores da hierarquia, o chamado C level, porque tinham objetivo de fazer projetos mais duradouros.

Um ponto de inflexão significativo para o negócio foi quando os “kyvers” perceberam que oferecer projetos não era tão efetivo e passaram a criar modelos mais longos de trabalho, por mais que o mercado não os consumisse ainda. Hilton fala a respeito:

“Para termos relacionamentos mais longos com as companhias, propúnhamos contratos mais abertos e menos estruturados”

Ele exemplifica essa maneira de atuar na prática: “Espalhávamos o equivalente a três meses de trabalho em horas de serviço prestadas durante o período de seis meses”. Dessa forma, começaram a ter contato com outros públicos das companhias, mesmo quando isso não era parte do escopo. O termo “programa de inovação” foi, aos poucos, ganhando espaço dentro e fora da Kyvo.

Essa aproximação também abriu oportunidades para imersão nas empresas-clientes, gerou percepções culturais mais apuradas, possibilitou montagem de pesquisas dentro das corporações e a detecção de outros problemas organizacionais que, antes, não estavam aparentes.

Um dos “causos” de Hilton exemplifica bem isso. “Muitas empresas nos chamam e dizem: ‘Vocês projetam serviços inovadores. Quero impactar meus clientes, então, preciso de um projeto daqui para fora da estrutura organizacional’. A gente sempre pergunta em tom provocador: ‘E os serviços daqui para dentro? Onde está o desenho do seu serviço de marketing? E o desenho do seu serviço comercial? Qual é a primeira área que entrega valor para fora de sua empresa, é a de canais digitais? E quais são as áreas que suportam canais digitais? É nesse movimento que mostramos relevância.”

Como precificar um serviço inovador fora do eixo Rio-São Paulo?

Conforme o trabalho da Kyvo começou a se expandir e ser notado, Hilton conta que muita gente – profissionais independentes e empresas – passou a procurá-los para a formação de parcerias. “A nossa mentalidade de colaboração era um negócio também. Percebemos que podíamos crescer com um formato do tipo ‘powered by Kyvo’, quer dizer, potencializado pela gente.” Hoje, esses profissionais que se aproximaram vendem a marca Kyvo, mas também têm a própria prestação de serviço local. E nos projetos em que a “matriz” precisa de mais mãos, eles são chamados.

A lógica para expansão em território nacional era a mesma de sempre: o trabalho de evangelização. A primeira coisa que faziam ao fechar contrato com um business developer local era um evento em um lugar de destaque, com bons palestrantes, para garantir que o novo público entendesse quem eles eram e o que ofereciam. Funcionou e, logo, surgiu a dificuldade de precificação, como conta o CEO:

“Queríamos ter um único preço. Então, tivemos de pensar em formatos de oferta que nos permitissem ir para longe dos grandes centros sem canibalizar nosso preço”

E prossegue: “Passamos a modularizar as entregas em um timeline mais comprido, com folga para pagar”. Em resumo, o formato de trabalho varia de acordo com a maturidade do cliente, mas o preço é um só.

Mudanças para atrair as startups

Os fundadores da Kyvo sempre quiseram colocar o conhecimento e bagagem que tinham à disposição de startups e não só como mentores. “Só que as startups não tinham grana. E quando tinham, usavam para pagar a operação e não para planejar e estruturar a estratégia e o design do serviço”, conta Israel.

Depois de levar um “chega pra lá” de um grande cliente – com quem trabalharam na modelagem do negócio, do serviço e de aplicativos em quatro projetos, mas foram dispensados porque não eram uma aceleradora de startups –, os “kyvers” foram atrás de compor com um grande centro de inovação no Vale do Silício.

O objetivo era ter um formato para cocriar com empresas programas que acelerassem a inovação junto com startups. Acharam a GSV Labs, cujo plano de entrar no Brasil estava previsto só para 2020. “Nós antecipamos a chegada deles aqui para o começo de 2016. E nessa parceria, 80% da metodologia é da Kyvo”, diz, com orgulho, Hilton. “Não viramos uma aceleradora de VC porque não sei fazer isso para fundos de investimento. Sei criar negócios para empresas.”

Segundo os sócios da Kyvo, por terem no DNA o service design e levarem para as corporações esse método, os programas deles chegam a 80% de taxa de sucesso. No ano passado, eles tocaram dois grandes: o Programa de Aceleração Visa e o EDP Starter. O CEO conta como esse processo funciona:

“Não é só uma aceleração com mentoria. A gente projeta o serviço junto com a startup. Fazemos tudo que fazíamos com os outros negócios grandes”

Em 2018, a Visa já reiniciou o programa com a Kyvo e aumentou o número de startups participantes, enquanto o Sebrae Minas fechou o desenvolvimento de um programa na vertical de siderurgia e mineração. A concorrência para o EDP Starter e mais três propostas também estão em negociação.

Do outro lado do Atlântico

Os fundadores da Kyvo conheceram-se em um trabalho anterior e quando decidiram montar a própria empresa já tinham a ambição de expandir para fora do Brasil. Afinal, se os clientes que atendem são globais, não faria sentido se eles atuassem só localmente.

Em novembro de 2017, em Portugal, durante o Web Summit, conferência anual de tecnologia, Hilton encontrou um amigo, o então executivo da Microsoft e luso-brasileiro Mauro Bastos. Mauro cogitava sair do emprego e montar um negócio, pois havia identificado um forte movimento de transformação digital na Europa. Hilton expôs o pensamento da Kyvo sobre o assunto. Disse que já faziam isso no Brasil, usando o nome de design de serviço: “Transformação digital não é tecnologia. É transformação de cultura organizacional com apoio de tecnologia”.

O diálogo alongou-se até Mauro virar o Head de Digital Transformation da Kyvo e sócio do escritório em Lisboa, que tem o objetivo de ganhar a Europa. Ele afirma que as empresas de lá têm mais maturidade no que tange à transformação digital do que as daqui, mas nem por isso se intimidam. Como o método da Kyvo é muito impregnado de antropologia (eles detalham: consiste em ir até o outro e procurar entendê-lo pelo olhar dele e não pelo seu olhar estrangeiro), é natural os “kyvers” mergulharem em uma companhia estrangeira. “Não é um problema uma unidade de pesquisa brasileira ir para Europa, Israel ou China. Desde que a língua não seja um impeditivo para a comunicação, só há potencialidades”, diz Vitor.

Dessa união Brasil-Portugal já surgiram parcerias de projetos pautados em mudanças de comportamento, modelo de trabalho e cultura com a Microsoft e a Amazon. Esses players não têm condições de criar um grande projeto de serviço de ponta a ponta como a Kyvo, mas possuem o braço dos canais e o dos clientes, então, embarcam com a tecnologia para realização. “A transformação digital veio como pensamento voltado para a Europa, mas não é exclusivo. Então, já se torna uma oferta de serviço para o Brasil”, conta Israel.

Sobre os planos futuros da Kyvo, Hilton é direto: “Nosso plano de futuro é 2018. Não consigo pensar adiante. Como nossa premissa é analisar e detectar o que o mercado pretende, a gente muda muito rápido”. Ainda há sete meses pela frente para grandes mudanças!

 

 

Esta matéria foi originalmente publicada pelo Portal Draft.

Foto: reprodução Portal Draft

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