Desde criança, Felipe Matos é fascinado por tecnologia. “O potencial para construir soluções e criações sempre me interessou muito”, fala. Aprendeu a programar cedo e, aos 16 anos, criou o Girando, primeiro aplicativo móvel latinoamericano. Era 1999. Quase vinte anos depois, tem no currículo uma série de empreendimentos fundados na área e atuou em diferentes momentos como investidor, investidor anjo, gestor de fundos e defensor de políticas públicas. Seu maior negócio hoje é outro que fez história na América Latina: a Start Up Farm, a maior aceleradora de startups privada da região.
Enquanto empreendia, Felipe deu um jeito de estudar a teoria. Formou-se quase dez anos depois de começar o curso de Administração, em 2011, e hoje é mestrando na Universidade de São Paulo e bolsista da Fundação Estudar. Prática, no meio tempo, não lhe faltou.
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Sua primeira empresa passou por uma incubadora universitária em Minas Gerais e foi lá, em meio a outros empreendedores, que ele percebeu que todos precisavam do mesmo auxílio para tirar projetos do papel. “Geralmente são pessoas muito técnicas e que entendem pouco de negócios”, explica.
Em 2002, decidiu ele mesmo preencher o nicho com o Instituto Inovação, aceleradora pioneira no país. O escopo ia além de negócios digitais e envolvia também agronegócios, tecnologia de informação e biotecnologia, entre outros.
Com o tempo, a organização foi tomando a forma de um grupo de investidores. Surgiu o convite para se tornarem gestores de investimentos de uma empresa de venture capital, e a equipe ajudou na criação dos fundos e desenvolvimento de critérios. Entre 2007 e 2009, avaliaram mais de duas mil startups – e investiram em apenas 36.
“Havia um gap muito grande entre quem buscava o investimento e quem o recebia”, lembra. O boom das startups digitais e dos aplicativos estava logo ali. Não vinha discreto, e o descompasso entre os estágios reais dos negócios e aquilo que eles buscavam como investidores passou a incomodar Felipe ainda mais.
“Faltava muito a figura do investidor anjo ou da aceleradora, que dá o start inicial”, diz. Para suprir essa necessidade, ele abriu as portas da Start Up Farm em 2010. O primeiro programa de aceleração aconteceu no ano seguinte, já voltado para projetos online e capacitação de empreendedores.
Aproveitaram para importar a cultura de colaboração e mentoria do Vale do Silício, apostando na criação de redes e de um ecossistema mais forte para sustentar a empreitada durante e depois do programa.
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A resposta foi imediata. Da primeira turma, saíram o serviço de delivery HelloFood e o Beauty Date, que captou 28 milhões de reais em 2015. Outros sucessos da aceleradora nos anos subsequentes incluem o aplicativo Easy Taxi, o sistema de registro de ponto digital Ponto Tel e a plataforma de viagem e economia colaborativa WorldPackers.com.
Seis anos depois, Felipe vê um cenário brasileiro muito diferente. Há cerca de 4 mil startups ativas no país e uma gama variada de ferramentas, redes de apoio, fundos de investimento, auxílio empresarial, hubs e espaços de coworking, como Cubo e Google Campus (a Start Up Farm é sua parceira em São Paulo). Só as aceleradoras hoje somam quase cinquenta.
Metodologia O sucesso veio, mas não veio fácil. A primeira grande dificuldade foi explicar a ideia e praticamente criar um mercado, ainda nos tempos de Instituto Inovação.
“Mudei-me de Belo Horizonte para São Paulo e passei meses conversando com empresas de tecnologia e empreendedores bem sucedidos para formar uma rede e vender meu sonho”, lembra. “Foi mais ou menos como convidar um monte de gente para uma festa: ‘Fulano, você vem? Beltrano vai!’”
Uma vez com o projeto em pé, era hora de validar o modelo, testar a abordagem, manter o que funciona e melhorar continuamente – afinal, eles eram uma startup também.
Hoje, a Start Up Farm tem mais de 200 startups no portfólio e estima ter captado mais de US$ 100 milhões em investimentos e gerado mais de US$ 1 bilhão de valor de mercado agregado.
“Não é só quantidade, é qualidade”, destaca Felipe, que se prepara para a 17ª edição do programa. “Selecionar bem os participantes é fundamental, porque damos o suporte mas quem de fato acelera são eles.”
A aceleração em si consiste em duas fases. A primeira inclui uma imersão de cinco semanas para validar modelos de negócios. É um período intenso, em que os selecionados estudam de tudo, dos problemas que estão resolvendo às estratégias de mercado e como fazer o melhor pitch. Em seguida, passam um dia apresentando suas empresas a investidores.
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A segunda fase é de acompanhamento e pode durar até dois anos. A Startup Farm ajuda os participantes conforme surgirem as necessidades, seja na busca por mentores específicos (são mais de 350) ou criando pontes com fundos de investimento e empresas. Através da Farm.VC, seu braço interno de venture capital, ela mesma pode se tornar investidora.
Felipe martela que o aspecto humano é básico para o sucesso. “A maior causa de falhas tem a ver com sócios e problemas societários, então colocamos muita ênfase em equipe, senso de propósito e na criação de uma comunidade forte e com espírito colaborativo”, diz.
No governo Em fevereiro de 2013, Felipe também passou a atuar como Chief Operating Officer (COO) do Start UP Brasil, programa do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação para promover o ecossistema de startups no país.
“Algo que me surpreendeu positivamente foi ver muita gente inteligente e com interesse genuíno em construir coisas interessantes mesmo numa estrutura muito difícil, principalmente quando se trata de iniciativas inovadoras”, conta.
Ele esclarece: na gestão pública, é preciso trabalhar somente dentro do que é permitido pela lei. Parece óbvio, mas é diferente do dia a dia civil, em que você também pode fazer tudo aquilo que não é proibido. Na prática, significa estudar os mecanismos existentes e tentar utilizá-los para o que você precisa.
“Ou você trabalha com o formato que já existe para criar algo novo ou tem um patrocínio político para seu projeto e consegue modificar as regras, como aconteceu com a lei nova que permitiu que existisse o programa SEED do governo de Minas Gerais, por exemplo”, diz.
Ao longo de quase três anos, Felipe aprendeu muito sobre gestão pública e o poder de parcerias público-privadas como aquela – e percebeu que o governo poderia ter um impacto imenso. Foi possível, por exemplo, criar uma nova grade de bolsas dentro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e passar a oferecer boas bolsas de pesquisa também para quem tivesse muita experiência no mundo empresarial, além de para acadêmicos.
Ao todo, a empreitada envolveu dois ministérios, duas autarquias da administração federal, uma associação sem fins lucrativos e 18 aceleradoras. Apesar dos desafios, o impacto foi positivo e cerca de 200 startups foram apoiadas. O programa foi encerrado em 2015 por contenção de gastos, mas está em vias de reavaliação.
Enquanto isso, Felipe dirige o Movimento Dínamo, grupo que luta pela melhoria de políticas públicas para empreendimentos de tecnologia e tem participação de startups, empresas de venture capital, aceleradoras e grandes empresas como o Google. “Voltei muito mais imbuído desse espírito público que quer fazer com que o país funcione melhor”, resume.
Entre suas principais bandeiras estão a desburocratização do processo de abertura de empresas, que acaba resultando em “gambiarras jurídicas” que põe em risco o trabalho e os investimentos. Outro ponto são incentivos tributários, inexistentes no momento.
“Se eu investir em renda fixa ou Tesouro Direto, tenho desconto no imposto de renda. Se investir em uma startup, não: vou pagar o imposto cheio e correr um risco maior com um investimento que é produtivo, que gera crescimento, emprego, tecnologia, inovação”, justifica. “É desconcertante.”
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Como ele investe Se existe algo que empreendedores sempre querem saber é como impressionar um investidor. No papel tríplice de empreendedor, investidor e acelerador, Felipe é direto: o principal ponto é sempre a equipe.
“No começo, a empresa ainda não tem um produto bem definido. Tem um protótipo e poucos clientes, seu principal ativo são as pessoas e sua capacidade de gerar no futuro”, fala.
Em sua opinião, um bom time é composto por gente com competências complementares e, dentro desse campo, ele avalia vários critérios. Quem são aquelas pessoas? Quais são suas capacidades? Suas competências? É feita só de programadores ou gente de business? Sem diversidade na equipe, chances são de turbulência na rota para o mercado.
Em seguida, é hora de olhar para o mercado em si. Que solução é essa? Ela faz sentido? Há espaço para crescimento? É competitivo? Tem companhias dominantes? Que caminho pode ser traçado e como essa equipe em particular está preparada para ele?
São tantos os questionamentos que é praticamente impossível que o projeto se mantenha inalterado – mesmo uma equipe boa com um bom mercado e o apoio de uma aceleradora vai enfrentar mudanças. É um fator que torna flexibilidade e mente aberta outras peças-chave para o sucesso.
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Apesar das dificuldades inerentes, Felipe garante que empreender em qualquer nível é uma carreira recompensadora. Tem sido seu caso. “Ao invés de ser uma peça de engrenagem em uma coisa muito maior, você trabalha naquilo que acredita. É algo que tem mais significado e muito mais impacto.”