Alessandra Orofino cofundadora do Meu Rio

Em 2007, o Rio de Janeiro oficializou sua candidatura para ser sede dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016. O projeto enviado ao Comitê Olímpico Internacional – os pré-requisitos do COI são famosos pela minúcia e preenchem milhares de páginas – previa obras de transporte público e infraestrutura em quatro regiões, que seriam um legado para a população após o evento.

A beleza natural, o bom momento econômico brasileiro e o fato de que a cidade seria a primeira anfitriã da América do Sul foram alguns dos motivos que levaram o Rio a ganhar de gigantes como Chicago, Madri e Tóquio.

Em 2008, empolgada com a chance de melhorar sua terra natal, Alessandra Orofino cofundou a Meu Rio com um amigo, Miguel Lago. Ela estava na cidade em um ano sabático, enquanto se preparava para estudar na Universidade Columbia, em Nova York.

“Vimos que o Rio mudaria muito rápido e havia uma era de ouro começando, com investimentos federais e estaduais”, lembra. “Mas como acontece com todo processo de mudança urbana, não se tem necessariamente o cidadão no centro do processo. Se ele não tiver oportunidade de entrar na disputa, os resultados acabam orientados por outros interesses mais bem articulados.”

A ideia tornou-se levar o cidadão para a arena de decisões de políticas públicas, e os jovens decidiram criar uma plataforma que ajudasse a fortalecer a cidadania e a expressão da vontade popular.

Ao criar uma rede em que pessoas pudessem se juntar e que oferecesse instrumentos de ação e compreensão sobre o processo político, os cidadãos poderiam se mobilizar de maneira mais eficaz. Era algo novo, numa época em que redes sociais e petições online ainda não eram tão difundidas.

A dupla ficou quase um ano trabalhando sem investimentos. Após o período de testes, com uma visão mais clara e um modelo sustentável e alinhado, começaram a buscar capital.

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“Quando começamos, mapeamos os contatos na nossa rede e fomos passando o chapéu”, ri ela. “A primeira rodada foi menor. Nós mostramos resultados e a segunda rodada melhorou. Nunca usamos editais ou pedimos nada para os governos.”

As sugestões de temas, que podem ser enviadas por qualquer membro da comunidade, são revistas por uma equipe de cinco pessoas. Entre os critérios utilizados estão alinhamento com a visão de cidade da organização (democrática, justa, aberta) e urgência (é um projeto sendo votado naquela semana, por exemplo?).

Meu Rio
[divulgação]

Em seguida, as demandas são levadas aos “supervoluntários” e membros mais ativos da comunidade, quando possível dentro de suas áreas de preferência e expertise, como saúde ou transporte. Aprovadas, passam a ser alavancadas internamente e voltam à rede como campanhas de mobilização.

O projeto cresceu – há 200 mil membros cadastrados só no Rio – e deu tão certo que se espalhou. Em 2011, surgiu a rede Nossas Cidades, que inclui também Minha Blumenau, Minha Campinas, Minha Curitiba, Minha Ouro Preto, Meu Recife, Minha Sampa, Minha Garopaba e Minha Porto Alegre. Versões em Belém, João Pessoa e Oiapoque estão em vias de aprovação.

História O interesse de Alessandra por gestão pública começou no Canadá, quando ela tinha 13 anos. Sua mãe foi convidada para dar aulas na Universidade McGill, em Montreal.

Alessandra aprendeu francês lá, na parte francófona do país, e quis continuar estudando no idioma. De volta ao Rio, matriculou-se numa escola francesa. Ao se formar, conta, estudar na França pareceu algo natural.

“Eu queria muito estudar ciências políticas, porque tinha visto muitas diferenças na provisão de serviços públicos entre os países”, fala. “Eu queria saber por que a nossa é tão deficitária e como podemos melhorar.”

Com bolsa do governo francês, começou os estudos no famoso instituto Sciences Po, em Paris. O currículo, no entanto, era muito voltado para a gestão pública francesa e desanimou a brasileira. Terminou o primeiro ano e voltou ao Brasil nas férias de verão, indecisa.

No meio tempo, adquirir experiência lhe pareceu a melhor decisão. Estagiou no Instituto Promundo, atuando em campanhas contra a violência contra a mulher e contra a criança, e viajou para a Índia, onde trabalhou numa ONG parceira pelo fim da desigualdade de gênero.

Foi em Nova Déli que a ideia de estudar em Columbia, também muito forte em ciências políticas, tomou forma. “Eu estava conversando com uma professora minha de Paris, que na verdade dava aula em Nova York, e ela disse que eu deveria aplicar”, lembra. “Como a relação institucional é forte entre as duas instituições e eu tinha boas notas, poderia pedir equivalência.”

Na Índia mesmo, Alessandra se preparou para as provas específicas para aprovação em universidades americanas, como os SATs e o teste de inglês TOEFL. Fez todas na embaixada americana da cidade e enviou sua application. Passou.

Com a aprovação, vieram outros problemas. Além dos custos de vida serem bastante altos na cidade, ainda havia o preço da universidade, cerca de US$ 60 mil por ano. (Na França, a Sciences Po era gratuita.)

Para dar um jeito, a carioca adiou a matrícula em um ano e voltou ao Rio para trabalhar. “Juntei cada centavo”, diz. Atuou numa consultoria e traduziu de tudo, fosse português, inglês, francês, espanhol ou italiano. Ao mesmo tempo em que colocava a Meu Rio de pé, tornou-se bolsista da Fundação Estudar, que pagou parte dos custos.

Crescimento Uma vez em Nova York, Alessandra ainda tinha uma conta para fechar. Acabou conquistando um trabalho tipo dois-em-um, que lhe ajudou nos custos de ensino e lhe ensinou como funcionava uma ONG ao mesmo tempo.

“Cheguei lá com seis meses de dinheiro e corri atrás de um estágio autorizado que, ao invés de me pagar um salário, pagaria parte da minha tuition”, explica. Encontrou a pequena Purpose, onde foi a quarta contratada.

A ONG, uma consultoria estratégica que tem hoje mais de 100 funcionários, atua como incubadora de movimentos sociais voltados para a mobilização de pessoas – justamente como a Meu Rio.

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Em quatro anos de casa, Alessandra foi de estagiária à mais jovem diretora de estratégia. No dia a dia, avaliava o impacto que uma iniciativa queria ter e desenhava as possibilidades. Que tipos de políticas públicas ajudariam a alcançar aquele objetivo? Em que lugares? Qual seria a melhor abordagem?

Foi uma escola. “A Purpose acabou surgindo”, explica. “Às vezes só temos que estar abertos e abraçar o que vem.”

De casa Formada, voltou ao Rio em 2014 e dedica-se ao Nossas Cidades, que tem 33 funcionários, como diretora executiva.

“Vivemos de doações, que vem basicamente dos membros que participam e veem valor nessa proposta”, diz ela sobre o modelo de negócios, que inclui desenvolvimento de plataformas e gastos com a equipe que pesquisa os temas e mobiliza a rede. “Já tivemos duas mil pessoas doando pequenas quantias.”

Alessandra é a responsável pelo relacionamento com grandes doadores e representa a organização em palestras e eventos. Também está constantemente identificando metodologias de mobilização e aprimorando as ferramentas da organização – e ainda supervisiona a parte de operações da instituição, que inclui a gestão de pessoas e financeira.

A rotina é puxada, mas ela não liga. “A ideia inicial fez jus ao que nós imaginávamos”, diz. “Diziam que o jovem só quer ir pra praia, mas não é verdade! Somos dessa geração e sabemos que o jovem quer mudar a cidade. Em 2013, uma chave virou e demonstrou que estávamos certos: as pessoas querem, sim, falar de política.”

Munidos de informação e desenvolvendo demandas específicas – ao pensar numa clínica de família no bairro e não só na saúde como um todo, por exemplo –, os brasileiros são capazes de criar mobilizações fortes e organizadas, que trazem resultados. “É um ecossistema amplo, que superou as expectativas de todos.”

Realidade Oito anos depois, as Olimpíadas enfim chegaram ao Rio de Janeiro. Pragmáticos, os cariocas já pensam num legado diferente, que envolva a mitigação de problemas e prestação de contas. É a chamada ressaca olímpica.

“As pessoas removidas já foram removidas, mas para onde? Como mudamos as injustiças que surgiram pelo caminho?”, exemplifica Alessandra. “Vamos manter as mudanças positivas e encarar as negativas, sem negar a cidadania a ninguém.”

Mesmo com o evento ainda em curso, as demandas já se solidificam. “A atuação da Meu Rio é contínua”, resume Rodrigo Arnaiz, diretor da organização. “E algumas pautas centrais, como mobilidade urbana, sustentabilidade, educação e segurança pública, acabam tendo mais destaque durante os grandes eventos.”

A equipe da Meu Rio
[divulgação]

Entre as atuais campanhas da Meu Rio estão a convocação de agentes de apoio à educação especial, trazida por mães de alunos com deficiência – o concurso público da prefeitura foi feito, mas os novos agentes nunca foram chamados – e a mudança de nome da estação São Conrado de metrô.

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A mobilização é demanda dos moradores da Rocinha, que querem que o ponto, construído para os Jogos e vizinho à comunidade, se chame São Conrado-Rocinha. “É uma questão de afirmação e orgulho territorial”, diz Rodrigo.

Há também a campanha de apoio à CPI Olímpica, para investigar contratos entre empreiteiras e prefeitura. Após pressão popular e uma avalanche de emails lideradas pelo Meu Rio, que começou em março, cidadãos conseguiram o número mínimo de assinaturas de vereadores para instalar a CPI.

Quando o presidente da Câmara municipal resolveu segurar o pedido, a rede pressionou novamente com um “telefonaço” para seu gabinete e intervenções urbanas, que atraíram a mídia. Após duas sessões – na segunda, os membros da Meu Rio foram impedidos de entrar pelo presidente da CPI –, um vereador contrário ao inquérito conseguiu uma liminar para impedi-lo. O processo está parado desde maio, mas a mobilização continua.

“Percebemos que todas as ações feitas para impedir a CPI motivaram mais as pessoas, que perceberam que existem interesses duvidosos por trás desse esforço de abafar as investigações”, diz Rodrigo. “E é importante lembrar que essa é apenas a segunda CPI que vai contra os interesses do prefeito e da base governista na Câmara que consegue ser instalada desde 2012.”

Para Alessandra, o processo inteiro é um ciclo virtuoso: cada campanha fortalece sua crença de que este é o caminho certo. “Nem parei para pensar se fazia essa escolha profissional. Tivemos a ideia e, quando vimos, estávamos fazendo”, fala. “É apaixonante fazer o que você ama e ver que milhares de outras pessoas também se interessam.”

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