Durante a pandemia da COVID-19, uma doença relativamente jovem tem ganhado espaço: a Síndrome de Burnout. Incluída na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID) em 2019, a moléstia motivada pelo esgotamento profissional tem sido intensificada na crise atual por conta do isolamento social.
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Até antes da pandemia, pelo menos 30% das pessoas economicamente ativas conviviam com a síndrome no País, segundo dados da International Stress Management Association (ISMA-BR). Atualmente, com o espaço físico fechado em muitas empresas, na tentativa de conter a disseminação do coronavírus, e casas que se transformaram em escritórios, mais brasileiros estão ficando exaustos.
Agora, pela primeira vez na história, a doença foi reconhecida como “estresse crônico de trabalho que não foi administrado com sucesso”. Ou seja: segundo a classificação da Organização Mundial da Saúde, a Síndrome de Burnout é agora reconhecida como uma doença do trabalho, e a empresas passarão ter responsabilidade sobre suas consequências.
Os principais sintomas, descritos pela OMS desde 2019 como oriundos do trabalho, são:
Ainda segundo o levantamento da Talenses, 33% dos entrevistados afirmam que têm se sentido mais esgotados por conta da diminuição de estrutura e equipe de muitas companhias, provocando acúmulos de funções. Outros 28%, contudo, reconhecem que estão se forçando a trabalhar mais justamente para se sentirem mais produtivos.
Giulianna Santos, psicóloga especializada em atendimento clínico e organizacional, afirma que adaptar-se a uma rotina de trabalho virtual é um desafio. Afinal, muitas vezes a comunicação fica mais distante ou distorcida. Consequentemente, não é incomum a sensação de precisar “mostrar trabalho” ou mesmo de que não dará conta – que podem contribuir facilmente ao esgotamento profissional.
“Primeiro temos que entender que a síndrome de Burnout ocorre diante do esforço do indivíduo em se adaptar continuamente a situações estressantes. E, de tanto tentar se adaptar, ocorre o esgotamento,” explica Giulianna.
A exemplo disso, Ingrid Pereira, analista de Marketing, arranjou um novo emprego, teve funções acumuladas e, ao mesmo tempo, desejava se mostrar “uma profissional eficiente” – nem que para isso fosse necessário trabalhar além do horário ou nos momentos em que deveria descansar. A consequência não demorou a chegar: foi diagnostica com Burnout.
“Eu havia passado um longo período sem emprego fixo e, assim que consegui um, em março, a pandemia chegou [ao Brasil] e tivemos que adotar o home office. Confesso que tinha ficado feliz por isso no começo”, revela Ingrid.
Porém, quando a economia passou a ser afetada pela pandemia, e muitas empresas optaram por cortar gastos – incluindo mão-de-obra –, a analista passou a temer pela segurança do próprio emprego. “Alguns colegas, que estavam há anos na empresa, foram dispensados por ‘corte de custo’. Acabei assumindo algumas das funções deixadas e, sem perceber, passei a me cobrar também.”
Descrita pela primeira vez em 1974 pelo psicólogo americano Herbert J. Freudenberger, o distúrbio era relacionado apenas a profissionais com rotinas extenuantes, como enfermeiros, médicos, bombeiros, policiais, entre outros. Atualmente, porém, é aceita a ideia de que trabalhadores de qualquer área também podem ser afetados pelo Burnout – sobretudo durante a pandemia.
“Um ponto importante a ressaltar é que se trata de uma crise do indivíduo com o seu trabalho, não sendo necessariamente uma crise no relacionamento com as pessoas daquele local ou um problema próprio do indivíduo, mas do ambiente social no qual o indivíduo trabalha”, explica Giulianna.
Ela ainda pontua que a doença é caracterizada pelo esgotamento físico e emocional. A síndrome, aliás, pode ser manifestada de algumas maneiras, como:
Além disso, dor de cabeça, cansaço, palpitação, dores musculares, insônia, crises de asma e distúrbios gastrintestinais são manifestações físicas que podem ser apresentadas. Em diversas situações, porém, a síndrome de Burnout costuma ser confundida com diferentes distúrbios emocionais, visto que seus sintomas também estão presentes em outras patologias.
Além disso, ela não anula a existência de outros transtornos – o que também pode dificultar o diagnóstico. Foi o caso de Ingrid, que há sete anos convive com a ansiedade e, durante parte da pandemia, acreditou que fosse essa a razão do esgotamento.
“Os sintomas são bem parecidos, então pensei que fosse a ansiedade como um todo, por conta de tudo que o Brasil e o mundo estavam passando. Voltei a fazer terapia por isso e fiquei surpresa ao descobrir que era Burnout”, conta Ingrid.
De maneira semelhante a outras síndromes, o diagnóstico deve ser feito por um profissional especializado, como psicólogo ou psiquiatra, que deverá prescrever o tratamento adequado. Sem causas específicas, fatores internos e externos podem contribuir para o desenvolvimento (ou agravamento) do Burnout.
“Hoje fala-se muito em ações de saúde mental dentro das empresas – o que é muito bom”, afirma Giulianna. Segundo ela, o cenário ideal é que as empresas disponham de psicólogos ocupacionais, médico e um time de segurança do trabalho para acompanhar os funcionários.
No home office, porém, a distância física faz ficar mais difícil para os empregadores reconhecerem sinais de esgotamento em seus colaboradores. “Por isso, é importante acompanhar a carga horária do profissional, entender como é o ambiente em que ele está inserido e quais adaptações se pode fazer para proporcionar mais qualidade de vida.”
A Harvard Business Review, a respeito do assunto, elencou três atitudes que os profissionais em home office devem adotar:
Vale mencionar que, com o devido diagnóstico, o tratamento da síndrome de Burnout pode incluir o uso de antidepressivos e psicoterapia. Conforme apontado, a reorganização do tempo e espaço dedicado ao trabalho, bem como a prática de autocuidados e atividades relaxantes auxiliam os portadores da síndrome.
Em tratamento desde agosto, Ingrid afirma que as coisas já estão mudando. “Desde que comecei, aprendi a separar o que é trabalho e o que é a minha vida. No começo foi um pouco difícil, precisei até colocar um alarme no celular para sinalizar o fim do expediente. Hoje, tenho dedicado mais tempo para mim mesma e, para a minha surpresa, estou até mais produtiva do que antes da pandemia”, finaliza.
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