Rômulo Leão cientista brasileiros pesquisando o coronavírus

Doutorando em imunologia da UFRJ, Rômulo Leão é um dos brasileiros pesquisando o coronavírus. Com o surgimento da pandemia, o cientista se uniu com instituições internacionais e mudou seu foco de pesquisa do chikungunya para o COVID-19, para desvendar exatamente o que o vírus faz quando ele infecta um organismo, especialmente no sistema imune. Ao Na Prática, ele compartilha um pouco da sua trajetória, como funciona a profissão de cientista e a importância desses profissionais no atual contexto mundial.

O começo na ciência

Natural de Duque de Caxias, no Rio de Janeiro, Rômulo sonhava em trabalhar com biologia desde jovem. Contudo, seu interesse inicial não era em vírus, mas em dinossauros. “Era um sonho de criança, pensava que iria trabalhar com paleontologia. Mas biologia sempre fez parte do meu contexto. Durante o ensino médio, fiz um curso técnico no Inmetro por indicação de um amigo da família. Era voltado para as práticas de validação e acreditação do órgão e tinha uma carga de experimentação muito grande. Isso acabou me atraindo e me incentivou a gostar mais de ciências exatas e naturais. Meus pais sempre apoiaram minha educação e foram grandes incentivadores dessa minha curiosidade”, relembra.

Quando se formou no ensino médio, ele decidiu estudar uma graduação recém-inaugurada na UFRJ: biofísica. “O fato de ter uma carga horária de exatas acabou me atraindo mais do que o curso de biologia propriamente, exatamente por conta dessa bagagem que eu tive do curso técnico. O conteúdo de biofísica é muito voltado para preparar o estudante para seguir a carreira acadêmica, como cientista. Então, ele é muito multidisciplinar e dá uma noção do mundo natural bastante complexa. Desde o segundo semestre, temos um espaço na grade para fazer pesquisa em laboratório para se ambientar na prática”, revela.

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Ao começar na pesquisa, Rômulo acabou indo para um laboratório de imunologia, que investigava quais são os primeiros eventos que acontecem com o corpo quando ele está combatendo um invasor, o que posteriormente iria o ajudar a se tornar um dos brasileiros pesquisando o coronavírus. “Uma das linhas de pesquisa era sobre a infeção pela dengue. Eu estudava um conjunto de proteínas específicas e o papel delas na infecção. Com esse estudo, acidentalmente descobrimos um composto que podia funcionar como antiviral contra a dengue. Não era o que a gente estava buscando, mas vimos que esse grupo de proteínas era um antiviral interessante e eficiente para dengue e outras doenças como zika, chikungunya e febre amarela. Isso me deu expertise para trabalhar com esse vírus durante a graduação e o mestrado”, aponta.

Especialização como cientista

O pesquisador afirma que sempre teve uma noção do que queria fazer, mas não tinha um caminho propriamente definido. “Acho que isso era bom porque eu sempre tinha oportunidade de conhecer outras áreas no caminho. Quando eu entrei na universidade, ainda não tinha conhecimento total de quais eram as possibilidades de trabalho da minha área. Tive contato com gente que trabalhava em diversos setores. Fiz alguns processos seletivos de trainee e concursos, e não fui aprovado em nenhum deles. Mas a academia não foi uma consequência da não aprovação. Foi uma consequência das minhas experiências em laboratório no final da graduação. Fui acompanhando minha orientadora em aulas e fui considerando a experiência da academia muito positiva em geral, o que me fez confirmar que era isso que eu queria”, analisa.

Depois de se formar em biofísica, Rômulo continuou a estudar o mesmo vírus no mestrado em microbiologia, também na UFRJ. “Durante o mestrado, tive o contato com zika e chikungunya pela primeira vez. Quando eu estava estudando, começaram os surtos das duas doenças no Brasil e minha orientadora começou a trabalhar em colaboração com um dos grupos de cientistas que tinha isolado o vírus. Comecei a analisar se os antivirais que tinha encontrado antes também funcionavam para eles e tivemos uma resposta positiva. Fizemos também pesquisas com animais, vendo as alterações que ocorriam neles quando infectados. Então, ao longo da graduação e mestrado eu trabalhei com uma série de vírus diferentes”, esclarece.

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No futuro, a experiência teria um grande impacto para que Rômulo tivesse a oportunidade de se tornar um dos brasileiros pesquisando o coronavírus. Em 2016, o cientista entrou no doutorado em imunologia e inflamação, ainda trabalhando com os mesmos vírus mas focado nos mecanismos do sistema imune. “Foi quando eu resolvi estudar só chikungunya. Meu objetivo era entender por quê as pessoas que tem chikungunya continuam tendo dor tanto tempo depois de serem infectadas. Apesar de esse ser meu foco, também colaborei com outros cientistas em projetos voltados para zika”, aponta.

Enquanto trabalhava em sua pesquisa, Rômulo recebeu uma bolsa do programa Fulbright, que seleciona estudantes do mundo todo para passar um tempo nos Estados Unidos colaborando com pesquisadores norte-americanos. “Fui para a Universidade da Califórnia, em Davis, e passei nove meses em um laboratório especializado em imunoproteassoma, que é o sistema que eu estudava no chikungunya. Pude aprender uma série de técnicas e novas abordagens para fazer minha pesquisa. Mas quando estava lá fui atingido pela pandemia do coronavírus”, recorda.

Foco no coronavírus

Com a volta para o Brasil prevista para maio, o cientista decidiu antecipar seu retorno, já que as atividades da universidade foram paralisadas em março. “Como eu era visitante e meu prazo estava acabando, fui listado como profissional essencial e podia ir lá duas vezes na semana. Terminei o que podia de pesquisa e estava planejando meu retorno para o Brasil. Eu já acompanhava a pandemia do coronavírus porque a possibilidade de um surto era algo que os cientistas já discutiam há muito tempo. Quando surgiu a primeira suspeita no Brasil, resolvi escrever uma postagem sobre coisas que os brasileiros precisavam saber ou poderiam fazer em relação ao coronavírus, caso ele entrasse no Brasil”, lembra.

A publicação de Rômulo no Twitter viralizou, principalmente porque logo em seguida a primeira suspeita foi confirmada. “Muita gente me procurou querendo tirar dúvidas ou ouvir minha opinião. Isso me deu um alerta porque eu já tinha trabalhando na pandemia de zika e chikungunya e senti a necessidade novamente de poder colaborar com o país. Queria ser um dos brasileiros pesquisando o coronavírus. Comecei a conversar com a minha coordenadora sobre a possibilidade de participar de alguns projetos com o COVID-19. Era muito complexo por que você só pode trabalhar com ele em locais específicos e restritos. Meu laboratório não tem infraestrutura para mexer com ele, mas gente começou a desenhar alguns projetos com as expertises do meu laboratório, da nossa área de pesquisa”, esclarece.

O cientista afirma que até então não tinha costume de fazer divulgação científica, mas começou a se engajar mais com a questão e procurar outras maneiras de colaborar com a luta contra o COVID. “Para aceitar a bolsa nos Estados Unidos, tive que abrir mão da remuneração do Capes, além de prorrogar a defesa final do meu doutorado. Como eu parei minha pesquisa para focar no coronavírus, minha orientadora me recomendou um edital de uma ONG chamada Dimensions Sciences. A organização era recém-criada e foi fundada por uma brasileira, a Marcia Fournier. A ideia era financiar estudantes para que eles pudessem ser relevantes no país deles e eles estavam com um projeto focado em pesquisadores que quisessem trabalhar com coronavírus”, detalha.

Rômulo foi selecionado para o edital e voltou a trabalhar no começo de junho, depois de um período em quarentena após o retorno dos Estados Unidos. Assim, ele se tornou um dos brasileiros pesquisando o coronavírus. Sua pesquisa é focada em desvendar exatamente o que o coronavírus faz quando ele infecta um organismo, especialmente no sistema imune. Ele afirma que entender o comportamento do vírus é um passo importante para propor tratamentos eficazes contra a infecção e para as complicações da doença.

Importância da ciência e da profissão de cientista

Quem trabalha com ciência no Brasil enfrenta uma série de diversidades, em especial no que tange financiamento e remuneração. Mas, para Rômulo, uma das coisas que o motiva como cientista é saber que está contribuindo de maneira relevante para o Brasil. “Trabalhar com doenças e infecções humanas é muito complexo porque muitas delas não têm uma cura específica. Saber que as minhas descobertas podem impactar a vida de milhares de brasileiros é um sentimento muito recompensador. Mesmo que eu seja uma parte muito pequena da solução, é algo positivo para mim e que me motiva bastante. Esse pensamento também me incentivou a trabalhar com o coronavírus”, garante.

O trabalho do cientista é produzir conhecimento que ainda não existia, conforme analisa Rômulo. “Sempre que a gente faz uma descoberta, chegamos em um ponto do conhecimento que ninguém chegou antes. Isso acontece com outras áreas também, mas na ciência é muito claro. É uma oportunidade singular de fazer coisas que são sem precedente. A ciência em momentos de crise é fundamental. Passar por essa experiencia da pandemia é muito ruim. Vidas são perdidas e não tem nada que supere e pague. Mas que bom que temos cientistas que estão tentando encontrar soluções porque senão isso não ia passar nunca”, afirma.

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Rômulo ainda garante que suas experiências internacionais o mostraram o grande potencial da pesquisa científica brasileira. “Lá fora, aprendi coisas que eu não dominava, mas também vi como a ciência brasileira tem potencial e é boa. Nas coisas que eu dominava, consegui contribuir de igual para igual, sem ficar defasado. O Brasil não deixa nada a desejar. Ele consegue aparecer entre os países que mais produzem material cientifico de qualidade, como estão fazendo os brasileiros pesquisando o coronavírus, apesar de todos os indicadores negativos e dificuldades”, revela.

E para quem um dia sonha em trabalhar na área científica, o doutorando indica algumas habilidades e competências essenciais. “Muita gente acha que o cientista tem que ser super dotado, mas o que ele faz é responder perguntas. Ele cria uma hipótese e vai investigar, então é preciso uma curiosidade e interesse na área que ele atua. O cientista tem que gostar do que ele pesquisa. Além disso, precisa saber se comunicar. Um dos motivos que a ciência caiu em descrédito foi a dificuldade que os profissionais tinham em comunicar à sociedade o que fazem. Também é preciso bastante senso crítico e ser muito racional nas análises”, pondera.

Dominar o inglês também é um diferencial para acompanhar publicações científicas recentes. “Não precisa ser fluente, mas ter um nível que consiga entender o inglês técnico, que vem bastante com a prática. Fora isso, você não precisa de mais nada.  Eu acredito que qualquer pessoa consiga ser um cientista. Não é uma profissão de outro mundo. Quem tem muita vontade, recomendo que seja”, incentiva.

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