equipe da startup Kunla

Kunla Social pode até parecer apenas uma agência de recrutamento, mas é muito mais que isso: é um negócio social que atua em rede para provocar impacto positivo em (pelo menos) dois elos enquanto faz o recrutamento em si. Na Kunla, mulheres com filhos pequenos, moradoras de comunidades carentes, são treinadas para trabalharem como agentes recrutadoras e são elas as responsáveis por encontrar o candidato buscado, sempre no bairro em que moram. A cada contratação realizada, ganham 150 reais (dos 250 que a empresa contratante paga à Kunla). O trabalho de rede reflete a origem do nome do negócio, uma abreviação da palavra kunlabori, que significa colaborar em esperanto.

A startup acaba de ser selecionada para aceleração na Estação Hack, a recém-lançada aceleradora do Facebook, em São Paulo, em parceria com a Artemisia, e é resultado de um projeto do engenheiro de produção Leonardo Carneiro, 35, (durante o mestrado de Empreendedorismo, na USP, identificou o problema social da falta de creches e vulnerabilidade dessas mulheres), somado ao conhecimento tecnológico do seu amigo e engenheiro elétrico Marcelino Badin, 39. O primeiro, de Goiânia, e o segundo, de Campinas (SP), moraram juntos em uma república em São Carlos, no interior paulista, durante a faculdade. A amizade seguiu enquanto ambos começaram suas carreiras, relativamente convencionais, no mundo corporativo, até que perceberam que ambos viviam um  momento de questionamento semelhantes — quando a ideia da startup surgiu.

Quando empreender por empreender não basta

Leonardo era fundador de uma empresa de recrutamento executivo. Em 2014, após uma baixa no número de clientes por causa da crise, resolveu apostar em outra demanda: encontrar candidatos para posições operacionais (a saber, cargos em que não é preciso ter curso superior e os salários são geralmente mais baixos, tais como faxineiro, pintor, balconista, porteiro etc). Fechou o antigo negócio e abriu outro com foco em vagas operacionais, mas para PcD — sigla de Pessoa com Deficiência, usada para se referir a quem tem limitações permanentes como deficiência visual, auditiva, física ou intelectual. Mesmo assim, ele ainda não estava contente:

“Era algo só para ganhar dinheiro. Logo que me dei conta, passei a pensar em alternativas e surgiu a ideia de ajudar mães com filhos sem creches a terem renda”

Foi, então, que começou a rascunhar o projeto da Kunla. Para Marcelino, o sentimento era o mesmo. Ele empreendeu antes da faculdade desenvolvendo sites de e-commerces. Depois de formado e de ter trabalhado em consultorias, como a Accenture, sentiu novamente a vontade de seguir uma carreira mais independente. Chegou a largar o emprego para criar um produto tecnológico, que mapeava as preferências dos clientes de acordo com seu deslocamento geográfico, mas ainda sentia falta de “algo mais”.

Os dois somaram esforços, coragem e um aporte de 200 mil reais (vindo de economias pessoais) para, em junho deste ano, abrirem o negócio. Mesmo com pouco tempo de operação, a Kunla já conseguiu chamar a atenção de algumas centenas mães em mais de 50 comunidades da Grande São Paulo. Nem todas estão ativas na plataforma, mas os primeiros passos foram dados e, pouco a pouco, o impacto e o faturamento da startup aumentam. A operação começou em outubro e a previsão é fechar o ano com 30 mil reais de faturamento, além de ter a equipe estabelecida em um escritório próprio na Sé, no centro da capital paulista.

Como funciona o Kunla

Uma consultora da Kunla visita as comunidades em busca de mães interessadas em serem agentes recrutadoras. Elas passam a receber os anúncios de vagas diariamente por meio do Whatsapp. Os postos são sempre específicos para a região onde moram (para evitar que abandonem o emprego por conta da dificuldade de deslocamento). Assim que recebem os anúncios, as mães tentam encontrar dentro de suas comunidades pessoas com o perfil buscado.

O modelo é bem simples, não precisa de acesso a computador, apenas um celular com internet (a maioria usa wifi mesmo). A Kunla está desenvolvendo um sistema que simplifique esse processo, mas por enquanto, elas tiram fotos dos CVs dos candidatos que selecionaram e mandam por mensagem para uma consultora da startup, que faz a triagem de até dez pessoas por vaga. A empresa contratante paga 250 reais para a Kunla apenas se ficar com um dos candidatos sugeridos. Deste valor, 150 reais são repassados para a mãe que fez a seleção.

Hoje a Kunla tem ao todo 700 mães cadastradas de diversas comunidades da capital paulista e Grande São Paulo (Heliópolis, Taipas, Utinga e Jardim Nazaré, por exemplo), mais de 200 vagas oferecidas por três empresas clientes. Em abril do ano que vem, eles pretendem buscar investimento para tração e escalar em 2019.

Um negócio social voltado para mães

Os sócios sempre são questionados do por que escolheram mães como alvo do negócio social. Não é difícil deduzir que uma mulher sem acesso a uma creche tem que ficar em casa para cuidar das crianças e acaba se tornando financeiramente dependente de alguém. “Quando isso acontece, vimos que é a qualquer custo. Não importa ao que ela ou a criança serão submetidas”, diz Leonardo.

Uma pesquisa do IBGE, de 2015, usada pelos empreendedores como referência, indicava que, na época, existiam 10,5 milhões de crianças entre 0 e 4 anos de idade no Brasil. Destas, 75% eram cuidadas pelo responsável que, em quase 90% dos casos, era do gênero feminino. Some-se a isso o déficit do número de vagas em creches: 75 mil, apenas na cidade de São Paulo.

Apesar de ter como foco essas mães, os fundadores contam que o impacto positivo recai sobre toda a família envolvida. E claro, como toda regra, sempre existem exceções. “Tivemos uma avó como agente recrutadora, pois era ela quem ficava em casa cuidando do neto enquanto a filha trabalhava. E outro de uma mãe com um filho de mais idade, mas com deficiência”, conta Marcelino.

Como encontrar as pessoas que seu negócio vai beneficiar

Com o público definido, o desafio dos empreendedores era correr atrás dessas mães. A tarefa foi facilitada pela contratação de Antônia Ribeiro como consultora da Kunla. Assistente social, ela já havia trabalhado cadastrando famílias carentes para receber benefícios sociais de políticas públicas. “Antônia é nossa mensageira. Ela conversa com uma líder comunitária para ter acesso às mulheres, explica o funcionamento da plataforma, faz reuniões, distribui panfletos”, conta Marcelino.

Mesmo com experiência em campo, a consultora enfrentou empecilhos no começo da operação. “Tivemos casos de líderes falarem que iam ficar com metade do que pagávamos às mães, apenas para liberar nossa entrada na comunidade”, diz o empreendedor. O problema fez com que eles repensassem a maneira de vender a proposta. Agora, Antônia vai às comunidades uniformizada, com um discurso “bastante claro” e, contam, isso ajudou a romper essa barreira: muitas vezes, Antônia é guiada pelas próprias moradoras que querem participar do projeto.

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Depois da fase de captação, entra em cena a assistente de comunicação Elisângela Brito, responsável pela ativação do processo. Ela faz contato direto com as mães interessadas em trabalhar como recrutadoras da Kunla para explicar mais uma vez como funciona e quais os benefícios. Essa troca de mensagens, a distribuição dos anúncios de vagas e o envio dos currículos dos candidatos pelas agentes são feitos via Whatsapp.

Elisângela envia para cada uma as propostas de vagas para o bairro em que as mães-recrutadoras residem. A partir daí, as mulheres devem achar a pessoa certa para a posição. Este processo dura, em média, cinco semanas, dizem os sócios.

Marcelino conta que, assim como o modo de apresentar a Kunla, os anúncios também tiveram que ser repensados para funcionar melhor. “Elas nos pediram dados mais práticos, como grau de experiência, horário de trabalho e salário que o profissional vai receber”, conta. Outra questão, diz, foi fazê-las entender que as vagas com requisitos PcD eram como todas as outras: as mães só deveriam identificar onde estava esse potencial candidato (que hoje em dia é procurado em instituições de apoio próximas às comunidades).

Projeto na rua é projeto sendo reajustado. Sempre. 

Ter um projeto social no papel é bonito, tudo parece perfeito. Basta colocá-lo na rua para que a realidade se encarregue de desconstruir o sonho. Para Leonardo e Marcelino não foi diferente. “No começo, tinham mães que se apegavam ao candidato, pois tinham um amigo precisando de emprego e o colocavam em todas as vagas”, conta Marcelino, e prossegue: “Ou, então, elas simplesmente postavam o anúncio da vaga no Facebook, no jornal do trem, sem fazer nenhuma seleção”.

Era preciso melhorar isso e, novamente, coube à assistente de comunicação Elisângela reforçar a mensagem e o diferencial da Kunla, para fazer as mães compreenderem que era responsabilidade delas encontrar a pessoa adequada se quisessem fechar uma vaga e receber o pagamento. Por conta disso, a Kunla estabeleceu o limite de envio de três currículos por vaga. As mães ainda estão aprendendo como é isso na prática — e uma palestra de capacitação, a ser proferida por uma agente considerada exemplo na plataforma da Kunla, está marcada para os próximos meses.

O poder do Whatsapp nas comunidades

As empresas interessadas em contratar candidatos para vagas operacionais têm como enviar seus anúncios pela plataforma digital da Kunla. Mas o contato com as agentes foi montado todo com base no Whatsapp. Isso logo deve evoluir, pois Marcelino trabalha no desenvolvimento de uma aplicação web, na qual as mães poderão acessar o perfil do candidato que devem buscar e receber vagas “personalizadas” (de acordo com seu ranking de desempenho, por exemplo).

O acesso à internet para manter a comunicação com as agentes recrutadoras não foi um grande problema pois, segundo os sócios, a maioria consegue conexão wi-fi em centros comunitários. O que ainda serve de impeditivo, porém, é a falta de um smartphone. Assim como algumas mães estão negativadas e preferem ser remuneradas sem transação bancária (o que é um desafio para a Kunla), o aparelho deve estar no nome da mãe. “Senão, fica aquele negócio de empréstimo e, no final, os 150 reais que serviriam para comida ou remédio podem virar uma taxa de aluguel do celular de um terceiro”, diz Leonardo. Para resolver a questão, a dupla planeja realizar uma campanha de doação de aparelhos.

De imediato, os empreendedores querem mais demanda. Com a operação estruturada e a parte tecnológica encaminhada, o objetivo é correr atrás de novos clientes.

Hoje em dia a Kunla tem três: a agência de recrutamento PcD do próprio Leonardo, um restaurante de Pinheiros, na zona oeste da cidade, e a Danone (parceria recém-firmada para buscar “kiteiras”, que é como a Danone chama as pessoas vendem os produtos da marca de porta em porta, na região do ABC paulista). Juntos, os três contratantes oferecem para a plataforma pouco mais de 200 vagas.

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O número ainda é baixo. Para tentar ampliar esse portfólio, os sócios apostaram na contratação de mais três funcionários (dois de vendas e uma nova consultora), e aumentaram o investimento em marketing. Eles sonham com um volume dez vezes maior, o que permitiria a cada mãe fechar, pelo menos, dez candidatos por mês, recebendo o equivalente a uma renda de 1 500 reais.

Além disso, querem extrapolar a atuação da Kunla. Segundo Leonardo, uma agência de recrutamento e seleção cobra cerca de 600 reais para conseguir um candidato. “Como a nossa operação é mais enxuta, ágil e de custo menor, uma empresa que não teria condições de pagar por esse serviço poderia usar a Kunla”. A expansão territorial também é cogitada. Os sócios já receberam mensagens de interessados do Norte e Nordeste do país, mas dependem da escala inicial em São Paulo para pensarem em termos nacionais.

Marcelino, que se dedica em tempo integral à startup, admite que hoje tem mais sobrecarga de trabalho do que quando era consultor, mas diz que se sente mais leve: “A Kunla é um negócio bonito. É gostoso falar sobre esse projeto, não é a mesma coisa que explicar códigos e programação para alguém.” O enfoque social amoleceu a racionalidade do engenheiro, que lembra da emoção que sentiu ao fazer o primeiro pagamento a uma agente:

“Ela disse que com o dinheiro completaria o aluguel da casa. Comecei a chorar e senti que, pela primeira vez tinha impactado a vida de uma pessoa de imediato”

Para Leonardo, a transformação foi mais gradativa. Ele não está na Kunla em tempo integral e acredita que a startup é uma somatória de suas experiências na busca por propósito, além de ser também um desafio de persistência. Ele diz que ouviu várias vezes que era doido. Primeiro, quando decidiu largar o emprego fixo para começar a empresa de recrutamento executivo. Depois, ao fechá-la e, na sequência, abrir outra com foco operacional. Por fim, quando apostou em um negócio social prometendo gerar retorno financeiro. “A partir do momento que a Kunla começou a rodar, ficou provado que não sou louco. O projeto não é uma viagem, romantismo ou ideologia”, diz. É vida real.

 

Este artigo foi originalmente publicado pelo Portal Draft

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