Em 2021, a Fundação Estudar – organização da qual o Na Prática é uma das iniciativas – faz 30 anos. Este conteúdo faz parte de uma série lançada ao longo deste ano em comemoração. Acompanhe os portais Na Prática e Estudar Fora para conferir os próximos!
Mesmo com uma pandemia ainda em curso, especialistas da área da Saúde já destacam pontos que estudantes e futuros cientistas deverão considerar a partir das experiências que se têm até agora sobre o enfrentamento da Covid-19. Os avanços que ocorreram na vacinação a nível global durante a própria crise sanitária são a principal herança para futuras gerações, ainda que muitos pontos estejam em discussão. Saiba mais sobre esse e outros aprendizados apontados por experts da Ciência de universidades renomadas.
Embora a aplicação dos imunizantes siga ocorrendo, a agilidade entre a fase inicial de uma pesquisa de vacina e a introdução dela a um programa de saúde pública é uma conquista histórica.
Pra se ter uma ideia, o comum era ter uma vacina disponível para a população a cada 50 anos. Já no último ano, com a pandemia, o mundo acompanhou a chegada de mais de um imunizante em menos de um ano. É o que destaca a professora brasileira Sue Ann Clemens, pesquisadora chefe pelo estudo da vacina de Oxford no Brasil e consultora sênior na Gates Foundation. A especialista havia liderado um estudo sobre rotavírus na América Latina, com mais de 60 mil voluntários ao longo de 6 meses – uma marca que já era considerável, mas foi superada na pandemia de coronavírus. “Eu pensei que aquele tinha sido meu maior desafio [estudo sobre rotavírus], mas não foi. Na pandemia, nós recrutamos 10,5 mil voluntários em cerca de quatro meses, sendo que mais de 5 mil foram recrutados em 39 dias”, diz Clemens. “Isso tudo contando com pausas, falta de pessoal, falta de equipamentos e atrasos de voos.”
O cenário para que isso fosse possível se fortaleceu principalmente com a epidemia de Ebola, quando governos e instituições supranacionais decidiram criar a CEPI (do inglês Coalition for Epidemic Preparedness Inovation), uma coalizão que centraliza inovação tecnológica e fundos para o enfrentamento de outras epidemias. Isso significa que já havia não só uma preocupação como também uma efetiva preparação por parte da comunidade científica, o que potencializou a celeridade no desenvolvimento de vacinas contra a Covid.
A criação dos CRIES (Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais) foi uma etapa fundamental para que a vacinação avançasse e, na esteira do desenvolvimento de imunizantes, o Brasil ganhou projeção mundial, tendo Sue Ann Clemens um papel importante nesse protagonismo.
Em geral, segundo ela, o tempo entre as primeiras pesquisas para uma vacina e a aplicação em si (considerando a fase exploratória até a fase 3 – a mais avançada – dos testes) era de 5 a 10 anos. Mas, em 2020, uma iniciativa que partiu da Fundação Bill & Melinda Gates convidou alguns cientistas para preparar centros de referência – e, entre esses pesquisadores, estava a professora brasileira. Coube a ela a missão de buscar incentivos financeiros (como da Fundação Lemann) e fazer contato constante com o Ministério da Saúde brasileiro para preparar locais, no país, que pudessem sediar os estudos da vacina de Oxford/Astrazeneca junto à Fiocruz/Biomanguinhos.
Como resultado, o Brasil passou a ser o primeiro país fora do Reino Unido a começar uma pesquisa em fase 3 de testes, durante a pandemia de Covid-19. “Desde o primeiro telefonema que eu tive com Oxford, conseguimos montar centros, toda parte regulatória, trazer a vacina e capacitar o pessoal em 44 dias. Foi um recorde”, conta.
Até então, quando se pensava em qual doença tinha uma ligação maior com mortalidade na história recente, as pesquisas sobre o câncer ocupavam papel central. Entretanto, a situação que se impôs com a pandemia fez com que as atenções se voltassem para a imunologia. Além disso, como observa Márcia Castro – demógrafa, professora da Escola de Saúde Pública e chefe do departamento de Global Health and Population de Harvard – a comunidade científica passou a trabalhar intensamente em conjunto. “Houve uma colaboração entre grupos que não costumavam se falar antes, e acho que isso vai continuar”, destaca.
Por outro lado, mesmo com um objetivo em comum, ainda há pontos que dividem cientistas, como o lockdown. Enquanto para Castro há exemplos claros de que o isolamento mais restritivo funcionou (como em Araraquara, no interior paulista, que adotou a medida por duas semanas e conseguiu frear os contágios pelo vírus nesse período), na visão do professor indiano Jay Battacharya, diretor do Centro de Demografia da Saúde e Envelhecimento da Universidade Stanford , num contexto global, há controvérsias. “Não temos expertise para entender as consequências”, pontua o especialista.
“Não dá para focar só nos benefícios. Se você pode trabalhar de casa, o lockdown funciona para você, mas não dá para dizer o mesmo de quem não pode”, afirma o docente de Stanford, ao observar o impacto da restrição para pessoas que vivem em situação de insegurança alimentar.
As estratégias para a vacinação também geram debates: cientistas como Battacharya acreditam que as doses devem ser administradas principalmente em idosos, que têm mais riscos de ter complicações pela Covid-19 – em uma espécie de “imunidade de grupo”. Outros defendem vacinação em massa. “O que precisamos manter em mente é que há um preço a ser pago quando deixamos pessoas jovens se infectarem”, afirma Márcia Castro.
O consenso por parte dos estudiosos é que a desinformação é um risco para todos – e encontra um campo fértil em sociedades polarizadas. Nesse sentido, cientistas (e os jornalistas que atuam como divulgadores científicos) têm o desafio de encontrar uma forma de se fazer entender de maneira clara, para evitar distorções. “A próxima geração de líderes precisa abrir a mente, abrir a discussão para a Ciência”, sugere o indiano.
Para além de desenvolver vacinas, o grande desafio de pesquisadores é manter uma cobertura vacinal que seja equilibrada para populações em diferentes regiões do mundo. Essa perspectiva não é uma exclusividade só da pandemia de Covid-19, mas a particularidade do coronavírus é com relação às chamadas “variantes de preocupação” (novas cepas com maior potencial de contágio).
De acordo com Sue Ann Clemens, a comunidade científica estuda se será necessário adaptar os imunizantes já disponíveis a essas variantes ou utilizar estratégias como a combinação de diferentes vacinas. Mas, se depender dos avanços que ela já pôde observar em seu dia a dia, serão obstáculos possíveis de superar.
“O legado que vejo, até o momento, foi capacitar centros e pessoal para pesquisas em larga escala com todas as adversidades que o mundo vem enfrentando. Transferência de tecnologia foi realmente algo fantástico. É possível, foi preciso e, por isso, isso aconteceu. Isso mostra que devemos continuar com esse cenário pra fazer algo mais equânime para o mundo.”
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