Dois mil e quinze já chegava ao fim quando Juliana Moura Bueno tomou sua decisão: estava pronta para ser chefe de gabinete da Secretaria Especial de Direitos Humanos, em Brasília. Um detalhe: ela tinha 25 anos.

“Tive uma conversa com o secretário e disse que sabia que era um grande desafio, mas tinha a dimensão do que era e me sentia preparada”, lembra ela, que já tinha anos de experiência com políticas públicas e direitos humanos quando se mudou para a capital.

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Na primeira reunião que frequentou no novo cargo, no entanto, foi encaminhada para a fileira de assessoria. “Foram dez minutos até que reparassem que eu não era assessora”, lembra.

Para ela, que tinha começado sua carreira no setor público como assessora dois anos antes na Secretaria de Direitos Humanos da Prefeitura de São Paulo, não se tratava de uma questão de status, mas de uma consequência de um ambiente pouco diverso.

“Ser mulher e jovem no espaço da política não é fácil, porque a tradição é ter homens mais velhos. Numa reunião, podem perguntar se eu vou anotar a ata ou pedir café. São coisas sutis, mas que mostram uma estrutura que opera no dia a dia.”

A idade, no entanto, nunca a incomodou. Para Juliana, que se formou em Ciências Sociais pela Universidade de São Paulo em 2013, mergulhar no trabalho sempre foi uma característica sua, assim como enxergar a coletividade por trás de funções na gestão pública.

“Nunca acho que estou sozinha. Sinto que tem gente comigo, torcendo e me acompanhando.”

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Início da carreira

O começo de sua trajetória aconteceu quase por acaso. Em 2010, ela foi selecionada para participar do United Nations Youth Delegate Programme, um programa da Organização das Nações Unidas para estudantes.

Foram duas semanas de treinamento em Nova York para organizar uma conferência na Malásia para 800 outros jovens, três meses depois. “Encontrei pessoas com outras crenças e estilos de vida, o que abre muito a cabeça”, fala.

A experiência na ONU lhe abriu também outras portas.

No fim de 2011, através de um contato que tinha feito no evento, ela recebeu um convite para trabalhar como assistente no Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, no México. Ao todo, foram cinco meses trabalhando com direitos humanos e segurança pública em um programa que combate o tráfico de mulheres.

Quando voltou ao Brasil, encantada com a experiência, “tinha algumas contas para pagar”, ri. O timing foi bom para outro convite, dessa vez da consultoria paulista Prospectiva.

“Lá, tive uma experiência de interação com o setor público a partir do privado”, lembra ela, que construiu cenários macropolíticos e eleitorais para clientes por dois anos, até 2014.

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Direitos Humanos em São Paulo

Quando Fernando Haddad foi eleito prefeito de São Paulo, Juliana aproveitou a vontade de trabalhar com gestão pública e seu alinhamento com as ideias do novo prefeito para buscar outra oportunidade.

Sem altas esperanças, enviou seu currículo para um e-mail geral da prefeitura e recebeu um convite para participar do processo seletivo para assessoria da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, então liderada por Rogério Sottili.

“Eu não conhecia o secretário ou nem ninguém lá”, lembra ela. A dedicação logo fez com que se destacasse. Seis meses depois, foi promovida a assessora especial. Quatro meses depois disso, tornou-se chefe de gabinete substituta.

“Eu me apaixonei ao entender que direitos humanos existem para todos e pelo sentimento de estar fazendo coisas para melhorar a vida das pessoas. Isso é minha vida”, resume.

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Direitos Humanos em Brasília

A transição para Brasília foi natural para Juliana e Sottilli, que atendeu um convite da então presidente Dilma Rousseff para liderar a pasta federal em outubro de 2015. (Nos últimos 12 meses, esse órgão passou pelo Ministério da Justiça e hoje, após ter tido sua estrutura alterada, é a Secretaria Nacional da Cidadania, que fica no Ministério dos Direitos Humanos.)

Aos 25 anos e em uma nova cidade, Juliana se viu como chefe de gabinete de uma secretaria com status de ministério. Era a mulher mais jovem da história a ter ocupado aquele cargo.

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A rotina consistia em acordar às 6 horas da manhã, ler jornais e inteirar-se dos briefings políticos. “E das 8h às 23h, eu resolvia problemas”, brinca.

Foram meses de reuniões e viagens, todas pontuadas por temas nacionais como a crise causada pelo vírus da zika. “Viajamos muito, do Oiapoque ao Chuí.”

Em maio de 2016, depois de oito meses no órgão, o impeachment de Dilma Rousseff e a troca de gestão subsequente fizeram com que Juliana se tornasse secretária interina da pasta por dois meses. 

Conduzindo a transição e em meio à uma enorme crise política, ela trabalhou para contextualizar a equipe que chegava e defender quais eram as políticas públicas mais críticas, que ela acreditava que deveriam ser mantidas.

Outra vez, foi a mulher mais jovem a ocupar o cargo, dessa vez como a mais alta autoridade de direitos humanos no país.

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Juliana Moura Bueno e Ricardo Lewandowski[Juliana Moura Bueno discursa no Supremo Tribunal Federal. À esquerda, o ministro Ricardo Lewandowski / Foto: Acervo pessoal]

Ainda hoje, ela vê reflexos de seu trabalho na época e se impressiona com o potencial de impacto do setor público.

Em maio de 2016, Juliana integrava a equipe que assinou uma portaria interministerial que tratava da chamada “lista suja”, que inclui informações sobre empresas e pessoas físicas flagradas submetendo trabalhadores à condições análogas à de escravo.

“A portaria estava na minha mesa e estávamos com muita pressa para assinar. Tínhamos a pressão de uma parte da sociedade civil e uma parte dos empregadores, que pressionava o Ministério do Trabalho para não saísse”, lembra. “Foi fruto de muita articulação política, da qual estive à frente. Nossa equipe foi muito firme.”

Em outubro de 2017, o assunto virou manchete quando o Ministério do Trabalho do novo governo tentou alterar os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e o que seriam condições análogas. “Basicamente, era uma portaria para revogar a portaria de 2016.”

Em alguns dias, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, suspendeu os efeitos da nova norma. “Um ano e meio depois, veja a importância de termos assinado aquilo”, fala Juliana.

Igualdade de gênero durante as eleições

Após deixar o governo federal, Juliana continuou em Brasília. Retomou o contato com a ONU através da ONU Mulheres e propôs o projeto Cidades 50-50, que promoveu a inclusão de mulheres e a igualdade de gênero como bandeira eleitoral em 2016.

Candidatos a prefeito e vereador podiam se comprometer publicamente com 12 ações práticas para melhorar a vida de mulheres e meninas nas cidades, como fomentar o empreendedorismo e a contratação de mulheres na administração pública e oferecer cursos sobre igualdade de gênero e raça no sistema público de educação.

O tempo era curto: quando o projeto enfim ficou pronto, faltavam dez dias para o primeiro turno. Juliana e sua equipe viajaram sem parar para conseguir assinaturas. Hoje em fase de monitoramento, o projeto acompanha cerca de 60 aderentes.

Na mesma época, Juliana enviou sua candidatura para um mestrado na University of Oxford, uma instituição que tinha visitado pela primeira vez anos antes, durante um intercâmbio escolar, e com a qual sonhava desde então. 

Alessandro Molon e Juliana Moura Bueno com equipe do Cidades 50-50[Equipe do Cidade 50-50 ao lado do deputado federal Alessandro Molon, que assinou o compromisso / Foto: Instituto Patrícia Galvão]

Já desligada do Cidade 50-50 e se preparando para estudar no exterior, atuou por sete meses no Senado Federal como assessora parlamentar do Partido dos Trabalhadores (PT) para direitos humanos, gênero e desenvolvimento regional.

Na rotina, além de mediações com movimentos sociais e outras entidades, estava a redação de pareceres técnicos e legislativos sobre projetos que tramitavam pelo Congresso Nacional e que podiam ser consultados por senadores que buscavam mais informações.

“Há certos assuntos que surgem com frequência no Legislativo, como regulação da maioridade penal, e é imprescindível ter alguém que conheça o tema”, explica. “Foi uma experiência muito importante ver esse lado da interação.”

Pensando em sua experiência nas várias frentes da gestão pública, Juliana destaca que é sempre essencial escutar aqueles que estão diretamente envolvidos nas políticas públicas em questão para realmente criar algo eficaz.

“Se você está trabalhando com políticas para população de rua, por exemplo, é necessário ouvir quem já trabalhou com isso em diversas dimensões, como na assistência e na saúde, e também o movimento da população de rua e os moradores de rua, que vivem a situação no dia a dia”, fala.

“Ouvir especialistas acadêmicos é importante, mas nunca podemos esquecer o fator humano do que estamos fazendo.”

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Uma estudante em Oxford

Hoje mestranda de Políticas Públicas na Blavatnik School of Government da University of Oxford e uma Lemann Fellow, a rede da Fundação Lemann, ela estuda liderança, democracia, governo e direitos humanos.

“Oxford é intensa, mas há um certo descanso da cabeça e do corpo. Antes, tinha 85% do tempo dedicado à gestão pública. Nos outros 15%, eu estava dormindo ou comendo”, ri.

Ainda apaixonada por políticas públicas, ela se empolga ao lembrar dos colegas dedicados e comprometidos que encontrou nos órgãos públicos.

“Estamos num momento em que se pensa: ‘Ah, na política é tudo ruim’. Eu conheci as melhores pessoas no governo”, fala. “Há muita gente jovem com energia pra mudar as coisas e pensando de forma inclusiva.”

Num país em que a representatividade feminina na gestão pública ainda é aquém do esperado –  no legislativo, por exemplo, mulheres são apenas 9% na Câmara dos Deputados e 14% no Senado Federal –, ela quer ver um futuro diferente.

“Tudo faz parte do processo de transformação do espaço público”, explica. Quanto mais mulheres e mais jovens estiverem presentes, continua, mais rápido e fácil será.

No fim, Juliana, a jovem mulher excepcional, quer logo deixar de ser a exceção. “Sirvo de exemplo para outras jovens mulheres perceberem que podem estar lá também.”

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Para saber mais

Para quem se interessa por direitos humanos, políticas públicas e igualdade de gêneros, Juliana compartilha suas palestras e leituras favoritas:

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Vídeos

Chimamanda Adhiche: “Nós Deveríamos Ser Todos Feministas”

ELLE: More Women in Politics

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