A cada seis semanas, uma reunião de trabalho acontece na casa de Jorge Paulo Lemann, dono da AB InBev e atualmente o homem mais rico do país, em São Paulo. É o encontro regular dos conselheiros do Instituto Tênis, um centro para treinamento de atletas de alto nível, criado pelo empresário. Eles cumprem um ritual. Antes de começar as conversas, jogam um ou dois sets na quadra de saibro que Lemann mantém no quintal.
Não raro, quando chegam ao casarão, por volta das 7h da manhã, ouvem do porteiro: “Podem entrar, o chefe já está batendo bola no paredão. Desde as 6h30”. Lemann, aos 75 anos, pratica o esporte quase diariamente. Foi em uma dessas reuniões, no início de junho, que Cristiano Borrelli, diretor-executivo do Instituto, apresentou ao grupo uma proposta inusitada: contratar uma consultoria de gestão empresarial, a Falconi, para fazer uma reviravolta no centro. O objetivo é atingir uma meta nada modesta: colocar um brasileiro no topo do ranking mundial até 2031.
Para quem não conhece a Falconi, cabe a apresentação: seu fundador, Vicente Falconi, é considerado o mais influente guru da geração que atualmente comanda os principais negócios do país. Entre as cem maiores empresas brasileiras, 77 são ou foram clientes dele. Governos de estados como Rio de Janeiro e São Paulo contaram com seus serviços para realizar “choques de gestão”. Se a Ambev se tornou conhecida pela cultura da meritocracia, deve boa parte disso ao consultor.
Falconi foi a primeira pessoa de fora do negócio a se tornar conselheiro do grupo, nos anos 90, quando a companhia ainda era a Brahma. Até hoje, tem assento no conselho da Ambev e presta consultoria para a multinacional, assim como para outras empresas do grupo de Lemann, como a Heinz. O próprio conselho interno da Falconi, se olhado de perto, dá uma ideia do prestígio da grife: Edson Bueno (fundador da Amil), Beto Sicupira e Marcel Telles (sócios de Lemann) e Pedro Moreira Salles (do Unibanco, hoje Itaú). “Talvez seja a única instituição cujo conselho é formado por clientes”, diz Álvaro Guzella, um dos cinco sócios-diretores da Falconi.
Ainda que tenha atuado nos mais variados setores, é a primeira vez que a consultoria vai lidar com raquetes e bolinhas. Em julho, após a proposta ter sido aceita pelos conselheiros, Lucas Pinheiro da Silva Neto, um consultor da Falconi, começou a trabalhar em tempo integral no Instituto Tênis. (Para se ter uma ideia de quão incomum é a tarefa, a última missão de Neto tinha sido ajustar as contas de uma siderúrgica nos Estados Unidos.)
No centro de treinamento, ele sequer tem uma sala, ou mesmo uma mesa – sua única arma parece ser o laptop. Tem feito reuniões, nas mesas do café, com cada profissional que estará envolvido no projeto. As conversas individuais, além de servir para explicar o plano, são também uma forma de vencer possíveis resistências. “Sempre que uma consultoria chega, tem gente que torce o nariz”, ele afirma.
A estratégia parece simples – pelo menos no papel. Tudo será baseado em metas e indicadores. Esse é o modus operandi da Falconi. A meta principal (“fabricar” o número 1) será decomposta em metas anuais, mensais, semanais e até diárias, de modo que cada pequeno passo leve ao destino final. Haverá indicadores para medir todas as obrigações dos atletas: físicas, nutricionais, pedagógicas e até técnicas e táticas. “Vamos imaginar que um deles rebateu 50% das bolas de backhand com a pisada correta do pé direito. Na semana que vem, esse índice terá de ser de 70%”, diz Borrelli. “Isso vai levar a metas maiores, como terminar o semestre entre os 200 melhores do mundo”, ele afirma.
Para colocar o plano em prática, o grupo vai lançar mão de uma metodologia usada em todos os projetos da Falconi. Chama-se PDCA. Nos anos 80, o professor Falconi, então consultor do setor de metalurgia e siderurgia, viu-se às voltas com uma dúvida: por que os japoneses tinham uma produtividade tão alta, se as máquinas eram as mesmas e as pessoas aqui também eram capacitadas? Resolveu atravessar o mundo para pesquisar in loco. Foi quando descobriu essa tecnologia de gestão – a sigla quer dizer Plan, Do, Check, Act. Planejar as mudanças, executar o plano, checar os resultados, agir sobre eles para ajustá-los. Sempre norteado por indicadores numéricos. Tudo muito cartesiano.
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“Nosso lema é: quem não mede, não gerencia”, diz Guzella. Até hoje, o PDCA é a base do trabalho da consultoria. A Falconi afirma que as metas dos clientes são alcançadas em aproximadamente 90% dos projetos.
No caso do Instituto Tênis, eles ainda estão na primeira fase: o planejamento. Para Neto, é a etapa mais importante. “Planejar é aquilo que deveria tomar mais tempo das empresas”, ele diz. Tão logo as metas sejam estabelecidas, os profissionais do Instituto – treinadores, fisiologistas, nutricionistas – passarão a ter a rotina guiada por elas. “Os indicadores serão integrados. Se a meta tática daquela semana for muito puxada, o pessoal da física e da nutrição vai trabalhar de forma a viabilizar isso”, diz Borrelli. Os atletas, como em uma boa meritocracia, também serão cobrados com base nelas. O trabalho todo, eles esperam, vai durar seis meses. Mas a ideia é que as “ferramentas” de gestão da Falconi passem a fazer parte da cultura do Instituto depois disso.
No momento, o tenista de maior destaque do país é Thomas Bellucci, que ocupa a 30ª posição entre os melhores do mundo. O catarinense Gustavo Kuerten, brasileiro que mais brilhou na modalidade, chegou a ficar 43 semanas no topo do ranking. No Instituto Tênis treinam 47 jovens talentos, com idades entre 11 e 18 anos. Alguns já despontam nos rankings internacionais, como Matheus de Almeida, de 14 anos, o 4º melhor da América do Sul na categoria até 14 anos.
Entre as meninas, uma das promessas é Thaisa Pedretti, de 16 anos, a 70º no ranking global da categoria até 18 anos. “Eu disputei mais de 20 torneios internacionais neste ano”, ela diz. As viagens são bancadas pelo Instituto. A atleta também ganha uma bolsa em dinheiro e tem acompanhamento pedagógico para estudar online no tempo livre. Mas as regalias não são para qualquer um. Só valem para quem mostrar bom desempenho. Em uma palavra: meritocracia. “Minha meta é terminar o ano bem ranqueada o suficiente para entrar direto na fase de chaves do Australian Open, no início do ano que vem”, diz Thaisa. Ela ainda não sabe, mas logo as metas serão mensais, semanais e diárias.
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Quando ouviu a ideia, naquela reunião de junho, Lemann reagiu com comedimento. Disse algo como “bacana, acho uma boa, vamos nessa”. Parece querer esperar para ver. É o estilo do empresário. “Lemann fala pouco, apenas observa e espera que a gente traga os resultados”, afirma Borrelli. Neste caso, é mesmo difícil prever o sucesso do projeto. Os clientes da Falconi normalmente vendem um produto, com o objetivo de obter lucro. Dessa vez, as metas não terão nada a ver com resultado financeiro e o “produto” será uma pessoa – se tudo der certo, um campeão. E uma pessoa, é claro, não é feita só de números e planilhas.
Pode ser, também, que funcione. Em 2010, o treinador Dave Brailsford assumiu o comando da equipe britânica de ciclistas de alto rendimento. O país jamais havia ganho o lendário Tour de France – e Brailsford queria mudar isso. O plano dele lembrava os métodos do professor Falconi. Brailsford definiu pequenos ganhos mensuráveis, que deveriam ser alcançados, um após o outro, em diferentes áreas do treinamento – nutricional, tática, física. O treinador afirmava que, se todas as metas fossem atingidas, o Reino Unido teria um campeão dentro de cinco anos. Estava errado. Três anos depois, Bradley Wiggins tornava-se o primeiro britânico a cruzar a linha do Tour em primeiro lugar. Resta saber se, no caso do tênis, a gestão “estilo Ambev” também será uma boa sacada.
No vídeo a seguir, Jorge Paulo Lemann explica as lições de negócios e carreira que aprendeu nas quadras de tênis:
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Este artigo foi originalmente publicado em Época Negócios