Quando o executivo Leizer Pereira foi fazer trabalho voluntário na Educafro, entidade sem fins lucrativos no Rio de Janeiro voltada ao acesso dos jovens negros a educação superior e mercado de trabalho, descobriu que estava ali a sua missão profissional.

“Larguei minha vida corporativa, minha causa hoje é servir esses jovens”, conta o agora diretor da Educafro e responsável pelo projeto Empodera, que tem foco na empregabilidade do jovem negro no mercado corporativo. Hoje dedica-se exclusivamente a conectar jovens talentos negros a grandes empresas como White Martins, Ambev e Coca-Cola. “Sou um olheiro de jovens”, diz.

O propósito de Pereira é compartilhado por Luana Génot, diretora executiva do Instituto Identidade Brasil (ID_BR), entidade que lançou recentemente um selo para incentivar o debate e a aplicação de ações de igualdade racial nas empresas brasileiras.

A vontade de agir diretamente para engajar as empresas nas ações para maior diversidade racial surgiu com as dificuldades que ela mesma enfrentou no mercado de trabalho, sobretudo na época em que trabalhou como modelo na Europa.

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A cor da sua pele era sempre uma questão e definia os trabalhos para que era chamada “Oitenta por cento dos trabalhos que eu fiz tinham a ver com a temática racial”, diz ela, que chegou a ouvir de um representante de uma agência na França que ela era muito bonita mas o “problema” era ser negra. Mais tarde, ao estudar publicidade, entendeu de maneira mais ampla o tamanho da distância até a igualdade racial no trabalho.

A longa jornada a ser percorrida não quer dizer que o avanço até agora no Brasil não foi significativo. “O desafio do acesso ao ensino superior foi conquistado e melhorou também no serviço público”, diz Pereira. Quinze anos depois da implementação da política de cotas raciais em universidades públicas, temos uma geração negra definitivamente mais escolarizada que a de seus pais: metade dos universitários que aderem ao ProUni e ao Fies são negros.

E, no entanto, o mundo corporativo segue unicolor. Apenas 5% dos executivos são negros, e só 0,05% são negras. Somente 2% dos cargos de alto escalão do funcionalismo público são negros – no judiciário, são só 3% dos juízes, por exemplo.

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“Mesmo com significativos avanços, a quantidade de pessoas negras que conseguem efetivamente alcançar uma formação altamente qualificada, no mesmo nível de pessoas brancas das classes média e alta, ainda é pequena”, diz Paulo Baraúna, diretor de negócios medicinais da White Martins para a América do Sul.

Desde a época universitária ele viu o número de colegas negros diminuir. “Fui o único do curso técnico de eletrotécnica que decidiu seguir para a universidade. Muitos colegas, que eu inclusive acho que eram mais inteligentes do que eu, não tiveram a possibilidade e oportunidade de abrir mão de um emprego do curso técnico pelo ideal de ingressar no curso superior”, conta.

As barreiras para a empregabilidade 

Se o acesso à universidade já é uma realidade, a conclusão do curso ainda não é tão simples. Custos de transporte, alimentação e livros são obstáculos para a formatura de muitos. E àqueles que conseguem ultrapassar as dificuldades da permanência na faculdade, o desafio imposto é em relação ao emprego qualificado.

“Estamos em situação melhor do que estávamos há dez anos, mas, para virar o jogo e oferecer oportunidades iguais, tem que oferecer um bom emprego e gerar renda”, diz Pereira.

Nesse sentido, mais barreiras. Se o conhecimento acadêmico foi, em certo nível, equalizado, os jovens negros ainda têm desvantagens em relação ao domínio do inglês e em competências comportamentais, segundo Luana e Pereira.

“Muitos jovens quando veem as exigências de inglês da vaga nem se candidatam. Também não sentem que uma empresa que só usa brancos em anúncios seja para ele trabalhar”, diz Luana.

Daí a importância da atuação de entidades como a Educafro e o Instituto Identidade Brasil. “O que eu falo para as empresas é: você cria critérios que excluem e deixam de fora gente talentosa e com uma gana de crescer enorme”, diz Leizer.

Como solução, ele sugere que uma empresa exija, por exemplo, inglês intermediário e ofereça um curso. “Se ele não aprender, aí manda embora. É essa flexibilização necessária para que não perca talentos”, afirma Pereira.

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História para contar

Não abrir mão de talentos, de forma geral, é uma das máximas que guiam a promoção da diversidade na White Martins, uma das organizações parceiras da Educafro. Há seis anos, a empresa tem focado na questão racial e de gênero dentro do tema da diversidade, porque já percebeu, segundo Anna Paula Rezende, diretora executiva de talentos e sustentabilidade da White Martins, que essa é uma condição fundamental para a sustentabilidade e inovação nos seus negócios.

“Negros são 46% da população economicamente ativa e 35% dos lares são chefiados por mulheres. Como vamos entender o mercado se não tenho pessoas dele dentro da empresa? ”

Atualmente, 30% dos funcionários da empresa são negros. Entre os estagiários da companhia, eles são 25% e o objetivo é que a diversidade se aproxime dos cargos executivos. No nível de diretoria, Baraúna ainda é o único negro na empresa.

“Nossa intenção é trabalhar para formar líderes os estagiários. Em breve teremos uma história ainda mais sólida para contar”, diz Anna.

A estagiária da área de Saúde Segurança e Meio Ambiente (SSMA) Sarita Marques, estudante de engenharia ambiental, é um dos jovens com potencial para escrever essa história na liderança White Martins. Segundo ela, o apoio e os cursos de formação que encontrou na Educafro foram fundamentais nesse começo de carreira.

Em três meses de treinamento pelo projeto Empodera da Educafro, aprendeu desde fazer um currículo à postura esperada em uma entrevista de emprego.

Depois que ela concluiu o curso, a Educafro encaminhou o seu currículo à White Martins e depois de 4 meses e algumas entrevistas, foi contratada para o estágio. “Cheguei com mais segurança, o que foi fundamental para que eu conseguisse demostrar o que eu queria durante a entrevista”, diz.

No fim do dia, é a atitude dos talentos o que tem feito a diferença, segundo Leizer. “Nesse aspecto que eu sensibilizo a empresa. O jovem pode não ter inglês fluente, mas batalhou, é líder comunitário e aproveitou absolutamente todas as oportunidades que teve até agora. Digo para o empresário: você vai deixar ele de fora?”

 

Este artigo foi originalmente publicado em EXAME

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