darkson vieira é professor de Cocal dos Alves
Darkson Vieira, talento da educação da Fundação Lemann

Em muitos aspectos, a cidade Cocal dos Alves não fugia da realidade frequente em muitos outros municípios brasileiros. Com menos de 6 mil habitantes, esteve entre as 30 cidades com menor IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) do país, em 2010. Isso significa, por exemplo, que o acesso à saúde e o nível de renda dos moradores – dois dos três parâmetros em que se baseia o IDH – eram baixíssimos.

Mas é no terceiro indicador em que os fatos surpreendem – e no qual a principal transformação se dá até hoje: a educação. No mesmo ano em que o resultado da medição do índice foi baixíssimo, os alunos da cidade obtiveram 100% de aprovação nas universidades públicas do Piauí.

Mais recentemente, uma das escolas de Cocal dos Alves, Augustinho Brandão, recebeu o Prêmio Darcy Ribeiro da Educação, além de já ter sido agraciada, em 2014, com o Prêmio Íbero Americano Valores Humanos. Sua pontuação mais recente no IDEB (7.2, de 10, em 2018, sendo que o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica leva em conta aprendizados em português e matemática) a coloca como a melhor estadual do Piauí. Junto com a escola municipal Teotônio Ferreira Brandão, coleciona mais de 150 medalhas em olimpíadas de ensino.

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Não foi sempre assim – o bom desempenho dos estudantes na pequena cidade do interior do Piauí se deve a um grupo de professores que há anos se dedica a desenvolver um modelo de educação que motiva e prepara e que serve de inspiração em todos os cantos do país.

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Um deles é Darkson Vieira. Filho de uma das primeiras professoras de Cocal, de quando o atual município era um distrito, se espelhou na mãe. Sua própria história o levou a, desde cedo, acreditar na educação. Com a rotina de acordar às 4h da manhã para trabalhar na roça, lembra-se que sempre pôde contar com seus professores para se motivar.

No ensino médio, foi um desses incentivos, inclusive, que o fez tomar a decisão de estudar e participar do concurso para recenseador do IBGE. “Enquanto meu pai estava arrumando lá os animais para ir para a plantação, eu estava lendo”, conta ele. No fim das contas, Darkson conseguiu passar e foi com o dinheiro do novo cargo que custeou o início da faculdade que viria a fazer.

Um grupo, um sonho

Naquela época, fazer faculdade era raríssimo entre os moradores de Cocal dos Alves. Porém, Darkson e alguns colegas conseguiram. O background de uma infância humilde e rural era o mesmo entre os colegas, com quem dividia uma república em Parnaíba, a segunda maior cidade do Piauí.

Outro ponto em comum entre eles era o fato de acreditarem na educação. “A gente discutia muito como poderia contribuir para mudar essa realidade em que estávamos sendo exceção”, diz ele. “Um jovem [de Cocal dos Alves] só tinha um destino, que era completar a maioridade e ir para grandes centros urbanos como o Rio de Janeiro e São Paulo para trabalhar em construção civil.”

Na prática, a energia transformadora do grupo se canalizou para o objetivo de formar uma rede de professores do novo município, há pouco emancipado. A meta foi alcançada em 2003, após passarem em um concurso. Além de Darkson, Antônio Cardoso do Amaral, Kuerly Vieira de Brito, Aurilene Vieira de Brito, Antonio Giovane da Racha e Narjara Machado Benicio começaram a atuar na escola estadual Augustinho Brandão.

“Tomamos posse e começamos com esse trabalho de focar no aluno. A questão era valorizar.” A valorização, por sua vez, ajudou a cativar, “fazendo com que eles se sentissem acreditados”. E também contribuiu para que toda a população local, gradualmente, passasse a ver a educação pelo que ela é: um agente de mudanças.

Professores de Cocal dos Alves
Professores de Cocal dos Alves – Darkson, Kuerly Vieira de Brito, Narjara Machado Benicio e Antonio Giovane da Racha / Acervo pessoal

“Amor com rigor”

Em 2005 era realizada a primeira edição da Olimpíada Brasileira de Matemática das Escolas Públicas – conhecida como OBMEP – e o professor Amaral liderou os esforços para que os estudantes da Augustinho Brandão participassem e tivessem bom desempenho, conta Darkson. Na época, os moradores ainda eram descrentes e o evento ajudaria na moralização da educação do município. Como resultado, muitas medalhas, inclusive, de ouro. “O pessoal começou a perceber que Cocal dos Alves existia”, destaca o professor.

Os resultados, no entanto, foram fruto de uma metodologia que se desenvolvia aliando rigidez com o apoio em todas as esferas aos jovens da cidade. “Amor com rigor” é como Darkson resume os fundamentos que orientam até hoje o grupo de professores. Ao mesmo tempo em que cobram muito dos alunos, nutrem um carinho grande por eles, o que faz com que se sintam acolhidos, e os ajudam de diversas formas – muitas vezes, extracurricularmente.

“Você [precisa] ir para a aula preparado em termos de conhecimento mas em termos de acolhimento daquelas pessoas que não têm praticamente o que comer”, explica ele. Por vezes, os professores já tiveram de arranjar transporte para a prova do Enem, além de terem realizado manualmente as inscrições de todos os alunos do terceiro ano da Augustinho Brandão, por exemplo.

Muitos dos jovens de Cocal dos Alves têm famílias que dependem da agricultura de subsistência, por isso qualquer apoio é quase sempre necessário, e por isso esse é um dos focos do time de professores do qual Darkson faz parte. É a esse ponto – o apoio abrangente da preparação à escolha de carreira, passando por questões “logísticas” – que ele atribui o sucesso da metodologia.

Impacto duradouro

Chegado o momento em que a primeira turma de alunos da Augustinho Brandão sob o comando da equipe de professores de Darkson prestaria vestibular, em 2006, e eles, novamente, foram os grandes motivadores para que os estudantesrealizassem a prova. “Muitos deles não sabiam nem o que era uma faculdade, ou nunca tinham saído de Cocal dos Alves”, lembra o professor. O grupo conseguiu, com uma vaquinha, fretar uma van para o transporte dos estudantes até o local da avaliação.

Esse foi só o início da “batalha”, já que depois de 70% dos jovens passarem, foi preciso convencer as famílias a deixar que fossem para a universidade e arrecadar fundos para que eles se sustentassem durante os estudos.

A primeira turma serviu como exemplo e ajudou a difundir a educação como valor entre os moradores da cidadezinha. “Hoje a psicóloga do município é dessa turma. Grande parte dos professores da Augustinho Brandão hoje, meus colegas, são dessa turma, a fisioterapeuta do município é dessa turma e outros profissionais que estão mudando o município são dessa turma”, conta o professor.

Em 2011, quando as medalhas e o prestígio da Augustinho Brandão haviam já se expandido, Darkson, que na época era coordenador pedagógico, foi convidado a trabalhar na Secretaria da Educação da cidade. “Hoje a gente fica alternando. Ora uns estão em sala de aula ora outros estão na Secretaria”.

No setor público, o grupo teve, de início, um trabalho voltado para o monitoramento do desempenho dos alunos e professores. Por meio de uma parceria, conseguiram uma avaliação externa acerca das habilidades e outros indicadores. De 4, o Ideb subiu para 6 em poucos anos. “Hoje fazer faculdade lá não é mais exceção, quem não faz faculdade é que é”, destaca ele. “Todos os alunos que crescem lá terminam o ensino médio eles são aprovados nas melhores universidades públicas.”

Esforço contínuo com foco

De lá para cá, os esforços do professor se direcionam para a educação do município em mesmo nível, mesmo que ela já esteja em um patamar muito à frente do que esteve – e muito à frente de muitas cidades brasileiras. Além de ter buscado formação complementar internacionalmente – Darkson conseguiu estudar metodologias de ensino e inglês em Iowa por meio de uma bolsa Fulbright – em 2015, passou a fazer parte da rede Talentos da Educação, da Fundação Lemann.

Em contato com outras pessoas com trajetórias de impacto no setor, ele encontra apoio para implantar os projetos da sua equipe – dos sofisticados aos corriqueiros. Um dos trabalhos mais recentes envolve a rede nacional de professores apoiada pela Fundação Lemann, a Conectando Saberes. Por meio dela, será promovida formação sócio-emocional para toda a rede de professores de Cocal dos Alves. “A Fundação Lemann abriu uma porta muito grande porque eu tive contato com pessoas admiráveis e uma troca de experiências formidável”, conta.

Darkson Vieira / Acervo pessoal

 

 

 

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