Jovem estudando

Automatização de processos, internet das coisas, renda universal, profissões em alta (e em baixa), Big Data… Muito se fala sobre as mudanças previstas para o século 21 e as transições que as acompanham. Qual será o papel do governo em realocar postos eliminados por carros autônomos, por exemplo? E como se preparar para um mercado de trabalho com empregos que ainda nem existem?

Na educação, não é diferente: estão todos cheios de perguntas. É difícil conceber que, em meio a tantas grandes transformações, uma aula daqui vinte anos permaneça exatamente como é hoje. O empresário Ben Nelson já pensava nisso nos anos 1990.

Na época, estudava na Wharton School, a tradicional escola de negócios da Universidade Pennsylvania. Desencantado com a experiência, que via como um “bufê de coisas”, ele começou a pensar em uma universidade alternativa. 

Passou quatro anos desenvolvendo um currículo universitário original mas, ao se formar, colocou os papeis na gaveta e foi trabalhar. Fundou e tocou a Snapfish.com, uma plataforma de fotos digitais, até 2010 e vendeu-a por US$ 300 milhões para a HP. 

Logo voltou ao plano da universidade inovadora e passou dois anos refletindo sobre o assunto. Em março de 2012, com o projeto pronto, captou os investimentos iniciais no Vale do Silício. Contratou o primeiro funcionário do Minerva Project em julho. Na época, ele explicou o projeto ao Estudar Fora

Entre os maiores obstáculos na hora de colocar o negócio de pé estava explicar por que não era uma ideia maluca. “Falavam que era impossível criar uma nova universidade. Eu perguntava: por que? Porque nunca foi feito antes. Mas por que? Porque não pode ser feito. Era uma lógica circular.”

Ben nelson minerva
Ben Nelson [WiredUK]

A ideia era criar universidade de excelência, capaz de acelerar a trajetória de vida dos estudantes mais brilhantes e motivados ao redor do mundo e forma futuros líderes e inovadores em todas as disciplinas. Muitos pontos desafiavam o ceticismo dos investidores: a proposta de um campus ‘itinerante’, que não seria fixo em nenhum país, e a aposta no ensino híbrido, que mistura aulas online e presenciais.

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Foi só depois de captar mais de 90 milhões de dólares que Ben Nelson finalmente afinou seu pitch de elevador – e é instigante. “Imagine que sua filha vai fazer 18 anos em 1965 e você lhe prometeu que, quando se formasse, ela ganharia um Cadillac. Então ela estuda, se esforça e consegue boas notas. Vocês vão para uma concessionária, mas ocorre um rasgo no espaço-tempo contínuo e, ali mesmo, surge uma loja da Tesla. O que você faz? Compra um Cadillac que nem tem cinto ou um Tesla incrível, que é inclusive mais barato?”

“As universidade de hoje são piores do que eram em 1965”, resume. “Então estamos construindo um Tesla para o Cadillac deles. É possível desenvolver um produto melhor.”

O projeto se concretizou de fato em 2014, quando a Minerva Schools, universidade criada em parceria com a Keck Graduate Institute (KGI), aceitou seus primeiros estudantes. A proposta é ousada. Sem campus – o que também se traduz na eliminação dos custos manutenção de um campus –, Minerva propõe uma vivência itinerante que começa em São Francisco e passa por Berlim, Buenos Aires, Seoul, Bangalore, Istambul e Londres. 

“As aulas são presenciais e online; não há salas”, conta Guilherme de Souza – o único brasileiro selecionado para a primeira turma da Universidade Minerva – em coluna publicada no Estudar Fora. Na época, a taxa de aceitação foi de 2,8%, tornando a universidade a mais seletiva dos Estados Unidos.

Currículo A ideia é colocar em prática o currículo formulado por Ben e aprimorado pelo reitor da Minerva e ex-reitor de Harvard, o célebre psicólogo Stephen M. Kosslyn. (Outro nome de Harvard envolvido é Larry Summers, ex-secretário do Tesouro dos EUA e ex-presidente de universidade, que integrou o conselho da instituição.)

“Criei um currículo com quatro sistemas de pensamento – formal, empírico, complexo e retórico – e nosso reitor os espelhou com as capacidades pensamento crítico, pensamento criativo, interação eficaz e comunicação eficaz”, explica Ben. 

Um conjunto de uma centena de habits of mind, ou habilidades intelectuais, foi reunido para conseguir construir a estrutura, que funciona como uma base intelectual para o estudante. “Não existe isso de ensinar pensamento crítico, porque ele é composto por dezenas de outras coisas”, explica. “Se você não ensinar os componentes individuais, não vai conseguir ensinar pensamento crítico de fato.”

Na Minerva, os hábitos mentais são mais importantes do que o conteúdo. “Eles dão um conhecimento profundo dos conceitos e isso exige aprendê-los em diferentes contextos, para que possam ser aplicados em outros momentos”, disse. “Assim, sua mente muda o jeito que processa o aprendizado.”

“O que mais pesou na minha decisão de cursar a Minerva foi a expectativa de inaugurar o projeto pedagógico do Stephen Kosslyn, que ensina os alunos a pensar crítica e criativamente”, justificou Guilherme, alinhado à nova proposta de ensino.

minerva school
[divulgação]

O formato das aulas é diferente da palestra comum, com um professor falando e alunos ouvindo (algo que Ben detesta), e envolve uma metodologia chamada “fully active learning”, ou aprendizado plenamente ativo. O método não é novo, mas foi levado a outros níveis pela Minerva. “Já existia o ‘active learning’, mas nós desenvolvemos o ‘fully acting learning’”, enfatiza Ben.

Os alunos, que se mudam de país juntos de seis em seis meses, têm uma parcela grande de aulas em uma plataforma online personalizada, que se adapta ao que está acontecendo. Divisão de grupos, debates e provas surpresa se configuram rapidamente na tela e as turmas, sempre pequenas, são engajadas constantemente.  “As sessões acontecem ao vivo por meio de uma plataforma criada pela universidade, chamada Active Learning Forum. Nela, professor e alunos interagem mais do que em qualquer aula que já tive, tanto no ensino médio, quanto na UFRGS”, explica o estudante Guilherme.

A missão é preparar o jovem para os desafios do futuro, seja lá quais forem, ao fornecer as ferramentas necessárias para que ele compreenda situações em qualquer ambiente. A partir do segundo ano, os estudantes podem se encaminhar para áreas específicas: artes e humanidades, ciências sociais, ciências naturais ou negócios.

Passado Para Ben, as grandes universidades estão à esmo há décadas. “Qual é o papel da instituição de ensino superior?”, questiona. “Porque ensinar coisas aleatórias é o que a maioria delas faz.”

Ele vê a Minerva como um jeito moderno de preparar o cidadão para ser um cidadão, algo que já era discutido pelos pais fundadores dos Estados Unidos, como Benjamin Franklin, envolvido com as origens da Universidade Pennsylvania, e Thomas Jefferson, que fundou a Universidade de Virginia. “Franklin pensou nisso na época da revolução americana, em 1700”, conta. “Uma nova república estava sendo criada e, como nos tempos da república romana, era um lugar em que qualquer cidadão poderia ser convocado para governar.”

Por isso, era essencial que as instituições de liberal arts, ou artes liberais, conceito que surgiu ainda na Roma antiga, passassem a ensinar habilidades e conhecimentos que preparassem os jovens para o desconhecido. A noção contagiou outras instituições, mas foi diluída com o tempo. “E ainda se tinha essa ideia de que o passado era o melhor, então as pessoas estudavam em latim e grego.”

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O modelo dos clássicos como guia sobreviveu por muito tempo e, de certa maneira, ainda sobrevive. Mas as universidades passaram por diversas épocas de mudança, conta Ben, e começaram a tomar sua forma atual nos EUA, onde hoje ficam as melhores do mundo, em idos de 1870, com Universidade Johns Hopkins.

Seu fundador implementou no país o modelo de pesquisa da Alemanha, então a maior potência universitária. Em pouco tempo, todas as grandes instituições americanas passaram a pesquisar e criar. O movimento se intensificou no começo da Guerra Fria, com o apoio financeiro do governo para criações made in USA.

Na mesma época, houve uma explosão de informação, que segue se expandindo até hoje. “O novo mantra universitário passou a ser ‘criar e disseminar conhecimento’”, fala Ben. “Em 2016, porém, a internet dissemina melhor que uma palestra universitária e a criação também ocorre do lado de fora.” O foco forte em pesquisas, conta, acabou deixando a modernização da sala de aula de lado.

Futuro E o que resta para o universitário então, se é impraticável em termos profissionais apenas expandir seus horizontes – “a não ser que você seja rico”, brinca Ben – e se um currículo específico, como ciências da computação, está defasado já no final do curso? Para ele, uma reinvenção funcional é inevitável. 

“As universidades precisam parar de disseminar conteúdo e de cobrar por isso”, fala. “Não devem criar um currículo ao redor do conteúdo, mas ao redor de filtros que ensinem como deveríamos pensar o mundo ao nosso redor. Devem matar os cursos!”

Para mostrar os sintomas do que ele vê como colapso do modelo atual, ele cita sites como Khan Academy, Udemy e a expansão dos MOOCs, os massive open online courses em plataformas como Coursera, que funcionam como introduções eficazes para uma miríade de temas e milhões de pessoas.

Outro ponto que destacou é a importância de decisões do tipo top-down no mundo da educação superior. Para ele, só quando um grande nome, como MIT ou Cambridge, decidir chacoalhar o marasmo do sistema, outras farão o mesmo, num efeito dominó.

A história dos cursos online ilustra seu ponto. O primeiro MOOC americano, sobre inteligência artificial, surgiu na Universidade Stanford e foi criado de maneira independente por três professores, à revelia da diretoria. Teve 160 mil inscrições. Logo Harvard e MIT começaram a desenvolver os seus e, de repente, todo mundo tinha um. 

A mudança é questão de tempo, garante Ben. E quando forem finalmente tomadas, aposta ele, as decisões serão instigadas por ego e incentivos econômicos. “Quais são os incentivos atuais para uma universidade deixar o modelo de US$ 1 milhão em alunos por palestra?”, pergunta, lembrando os custos astronômicos, na casa dos US$ 60 mil por ano, de uma universidade de ponta. “Se doadores e alumni fecharem a carteira, isso pode acelerar a mudança. Sem dinheiro, elas despertarão de repente.”

A Minerva, que visa se tornar um negócio lucrativo, cobra menos, mas não pouco: US$ 28 mil por ano. Desde que abriu as portas, em 2014, recebeu mais de 60 mil candidaturas e aceitou menos de 2% – inclusive brasileiros. Para Ben, a melhor maneira de avaliar se sua jovem proposta funciona tem a ver com resultados futuros. “Nossa medida de sucesso é o sucesso de nossos estudantes”, diz.

Questionado sobre como pode estar confiante antes mesmo da primeira turma se formar, ele sorri. “Os estágios de verão que nossos calouros conseguem são equivalentes àqueles de um ótimo aluno no último ano de Harvard ou Stanford. E os relatórios que recebemos sobre suas performances são muito melhores que até aqueles sobre alguém formado”, fala. “É porque de fato os ensinamos a resolver problemas e se comunicar de maneira eficaz. Eles tomam iniciativas que os outros gostariam de tomar e não conseguem.”

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