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Esta brasileira desenvolve uma terapia que pode se tornar a cura para a asma

A jovem Dayene Caldeira, de 28 anos, posa de jaleco branco ao lado de um letreiro que diz: "Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filhos. Universidade do Brasil". Ela é uma mulher negra, de cabelo crespo.

Se uma pessoa comum contemplar a figura de uma célula humana com os olhos bem atentos, é provável que os detalhes mais importantes passem despercebidos. Pode ser até que uma ou outra organela seja reconhecida, é claro, mas a percepção clara e objetiva com certeza faltará à análise.

Apesar da complexidade, no entanto, foi a partir de uma contemplação como essa que a carioca Dayene Caldeira, 28, percebeu um padrão distinto que pode ser a chave da cura para a asma, uma doença que afeta 20 milhões de brasileiros, segundo dados da Sociedade Brasileira de Pneumologia.

“Durante o mestrado, eu descobri que estava havendo um boom de pesquisas mundiais dizendo que um grande número de doenças eram ocasionadas por disfunções nas mitocôndrias”, explica ela. “Basicamente, ela é caixa de força celular. Quando ela está em disfunção, há um queda na produção energia.”

A história dessa jovem, que está prestes a desenvolver uma forma de substituir mitocôndrias disfuncionais por novas e sadias, você conhece a partir daqui.

A cientista e sua inspiração

Quando Dayene aparece no vídeo para a entrevista, é impossível presumir que sua história possua tantos altos e baixos. Seus olhos sorriem junto com a boca, por trás dos grandes óculos finos, e seu tom de voz é tão calmo e didático que o peso do tema central da conversa, a ciência, se dilui em partículas bem menos complexas. Não dá para saber, ainda, o peso que ela carrega.

Logo, porém, a jovem começa a falar sobre pesquisa acadêmica, saúde pública, desigualdade e à medida em que o tempo avança é possível ter certeza: a conversa em curso é com uma mulher negra, no Brasil, prestes a se tornar PhD em ciências biológicas pelo Laboratório de Investigação Pulmonar (LIP, UFRJ) e com um estudo que pode regenerar pulmões de milhões de pessoas que sofrem com asma no mundo.

Nada disso seria possível, no entanto, sem a ajuda de uma pessoa – fundamental na jornada de Dayene Caldeira – que a ajudou desde o início da carreira científica e que sofre da mesma doença estudada por ela hoje.

Minha família é uma família de mulheres negras que fazem parte dessa [maioria da] população que não teve acesso à saúde. Minha avó nunca teve acesso a medicações ou a terapias avançadas como essa que desenvolvo hoje. Fez parte da minha infância acompanhar a minha avó em hospitais e internações devido a crises de asma.”

Nesse período citado pela jovem, no vaivém de internações, Dayene acompanhava a avó em jornadas diárias ao redor do Rio de Janeiro. Elas coletavam material reciclável nas ruas e assim mantinham o sustento de casa.

Em várias oportunidades, a avó de Dayene lhe entregava livros que encontrava jogados. O primeiro deles, relacionado à biologia, veio daí. A garota revirava as páginas, fazia exercícios e resolvia problemas que a fizeram pela primeira vez relacionar saúde à ideia de ciência. Em um momento no qual os grandes cientistas discutiam células-tronco como novidade, ela também ficava a par do assunto.

“Eu conheci a ciência através de livros do lixo, aprendi inglês através do lixo. Essa parte da minha vida é muito importante e por algum tempo eu escolhi para quem eu iria dizer isso. Mas eu resolvi que deveria me apropriar da minha história, sendo ela boa ou não. E quando a gente compartilha isso, temos a capacidade de alcançar pessoas que a gente nem conhece e que podem se inspirar.”

Mais tarde, enquanto crescia, ela teve certeza de que queria ser cientista e de que isso passaria por um processo incomum para mulheres de sua origem. Dayene sabia, ou sentia, que a academia era um lugar feito para “homens brancos de jaleco”.

 “Eu, como uma menina negra, de cabelo crespo, queria estar ali também. Eu acho que muito do que eu vi com a minha avó, essa necessidade de grande parte da população que precisava ter acesso a coisas diferentes, me fez ver de que fato eu tenho um propósito e que eu quero continuar.

A pesquisa e os próximos passos

Se os testes da pesquisa de Dayene derem certo, e sua terapia for aprovada, ao menos 350 milhões de pessoas com asma poderão se beneficiar da nova terapia até 2025. Estima-se que, hoje, cerca de 10% dessas pessoas tenham asma grave ou de difícil controle – o que, na visão da cientista, é um número “consideravelmente alto”.

A doença, que é gerada a partir de inflamações nas vias áreas e brônquios, pode gerar tosse, chiado e sensação de aperto no peito, falta de ar e, em crises mais agudas, pode levar as pessoas à morte.

Basicamente, a ideia da cientista é criar um mecanismo que vai transferir novas mitocôndrias  para células do pulmão de pessoas asmáticas, utilizando células-tronco como carregadoras. Hoje, nos testes feitos em camundongos, ela já tem obtido bons resultados.

“As células-tronco têm o potencial de se diferenciar e atuar em imunorregulação. Elas são células que podem se transformar em diferentes tipos de células. E quando a gente coloca as mitocôndrias nesta célula, vemos que elas realmente aceitam. Não é algo mirabolante. Realmente funciona.”

Nos próximos meses, enquanto avança para confirmar os resultados de sua pesquisa, a jovem terá a oportunidade de estudar com um dos maiores especialistas em asma no mundo, o professor Daniel Weiss, da Universidade de Vermont. A expectativa de Dayene, no futuro, é de que ela possa ajudar a transformar a sua pesquisa em política pública, criando equipes para orientar as pessoas sobre a doença, para diagnosticar melhor os casos e para reduzir o contingente atual de 200 mil internações anuais por conta da asma.

“A gente [o Brasil] tem um gasto absurdo com internação por asma, mas a terapia mais comum busca o controle de sintomas. Às vezes, por falta de educação em saúde, as pessoas vão pra casa após medicadas achando que foram curadas. Mas a asma não tem cura ainda.”

 

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Ao fim da conversa, Dayene, que falou com autoridade sobre seu trabalho, fica sem palavras ao ser questionada se tem a dimensão exata sobre o que está produzindo. Diz que é complexo fazer uma autoanálise e volta a citar a ciência para explicar que o processo de aprender é como um ciclo que nunca termina: quanto mais se sabe, menos se pensa que se sabe.

É muito difícil pra mim como uma mulher negra e com a minha história dimensionar e não me rebaixar, não ser arrogante e também ter propriedade do que eu faço, mas acredito que quando eu chegar lá, eu vou querer mais.

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