Daniel Vargas

O mineiro Daniel Vargas, hoje com 37 anos, vem construindo atuação no Direito a partir de uma perspectiva diferente daquela que mais comumente faz parte da vida de um jurista. Em vez de se concentrar em compreender o comportamento dos juízes e a maneira como decidem casos a fim de desempenhar um bom papel nos tribunais, Daniel busca estudar e aplicar o direito como ferramenta que ajude a compreender e a resolver os grandes problemas do país.

“O direito está na base da organização de todos os aspectos da vida social. A maneira como o Estado age ou como a economia funciona é definida pelo direito. O modo como as pessoas se comportam é altamente influenciada por ele. Por isso, me interessa muito a reflexão sobre como as leis podem ser criadas para ajudar a resolver nossos desafios – mais do que interpretar as leis que já existem.”

Graduado pela Universidade de Brasília (UNB) e com dois mestrados – um na UNB e outro na Universidade de Harvard, Daniel foi convidado a trabalhar, em 2007, na Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (SAE/PR), órgão de Estado com status de ministério, criado naquele ano para formular políticas públicas de longo prazo voltadas ao desenvolvimento do país. “Dialogando com lideranças políticas de todos os partidos, empresários e organizações da sociedade civil, a SAE elaborou projetos com potencial de sobreviver aos ciclos eleitorais. Vários deles foram implementados por diversas instâncias de governo.”

O jurista ingressou na secretaria como assessor. Meses depois, passou a chefe de gabinete e, em seguida, a secretário de Desenvolvimento Sustentável. Nesta função, participou da elaboração do projeto de regulamentação fundiária da Amazônia, que, em 2009, originou a lei federal que permitiu aos municípios dos nove estados componentes da Amazônia Legal tomarem a frente e acelerarem o processo de regularização de suas terras, originalmente pertencentes à União. “São regiões muito jovens”, afirma. “Em várias dessas cidades, até a sede da Prefeitura é território federal. Nessas regiões, o processo de desenvolvimento urbano começa com a demarcação das terras.”

Quando o projeto foi iniciado, lembra Vargas, menos de 5% das terras de toda a Amazônia Legal tinham sua situação jurídica resolvida. Ou seja, em uma área correspondente à Europa Ocidental, onde viviam mais de 25 milhões de pessoas espalhadas, não se sabia quem eram os donos de 95% das terras.

“Um caos fundiário: em um ambiente de insegurança jurídica como esse, prevalece a lei do mais forte e prosperam atividades econômicas como a extração ilegal de madeira ou a pecuária extensiva, ambientalmente insustentáveis”, diz. “Sem resolver esse problema jurídico – separando o que é terra pública e o que é terra particular –, a Amazônia estaria condenada à pobreza e à degradação ambiental”, prossegue.

Este é, segundo o jurista, um exemplo de como é necessário olhar a questão do desenvolvimento sustentável no país também do ponto de vista jurídico, e não apenas econômico ou moral – “de pessoas más que cortam as árvores”.

Depois de nove meses na divisão de Desenvolvimento Sustentável da SAE, Daniel assumiu ainda o cargo de secretário-executivo – uma espécie de coordenador geral das atividades do ministério. E, em junho de 2009, após a saída do ministro Roberto Mangabeira Unger, teve a oportunidade de atuar como ministro interino, aos 30 anos de idade.O projeto elaborado por Bruno e sua equipe propunha que São Paulo seguisse o modelo de Ensino Médio integral adotado anos antes no estado de Pernambuco, com dedicação exclusiva dos professores e foco em ajudar os estudantes a construir e colocar em prática seus projetos de vida.

A experiência de cinco meses na posição de ministro, “dura e valiosa”, segundo Vargas, permitiu-lhe conhecer o Brasil mais de perto. Após visitar todos os estados brasileiros, entre capitais e cidades do interior, pôde ver com mais clareza o potencial que reside na diversidade do país. “O Brasil é muito mais diverso do que a gente consegue imaginar olhando de longe”, diz. Além disso, passou a enxergar o Brasil como um país empreendedor e aberto ao novo.

“Você viaja pelos estados e vê pessoas que o tempo todo estão tentando resolver os desafios do dia a dia. Nós somos tudo, menos um povo cansado”, avalia.

Vargas impressionou-se com a capacidade de realização da população brasileira, depois de conhecer de perto experiências como o agronegócio exportador do Centro-Oeste – “que, em meio século, transformou-se na agricultura mais moderna do mundo, respondendo hoje por um terço do PIB brasileiro” – e o boom de empreendedorismo das cidades pequenas e médias de áreas pobres do Nordeste.

“Enquanto parte da academia e da política enxerga o país imerso numa briga entre mercado e Estado, a vida real mostra que a gente tem um povo fazendo as coisas acontecerem. Nós temos uma grande vocação empreendedora reprimida.” O posto assumido interinamente também possibilitou a Vargas conhecer parte significativa da elite brasileira – empresários, ministros, governadores, senadores, líderes da sociedade civil e da mídia – e lhe mostrou que, ao contrário do que imaginava, não são necessárias virtudes heroicas para se chegar a posições de liderança e comando.

Se, por um lado, o jurista saiu da experiência à frente do ministério mais otimista em relação ao Brasil, saiu também mais desafiado. Movido pela sensação de que construir uma ponte entre o Brasil real e o mundo da política exigiria mais do que o que ele possuía naquele momento, decidiu deixar a SAE e iniciar o doutorado em Harvard, para o qual tinha sido aprovado logo após concluir o mestrado. Durante a nova fase de estudos na prestigiosa universidade americana, aprofundou suas reflexões sobre como a matriz jurídica está na base de projetos de desenvolvimento bem-sucedidos.

Federalismo solidário

Para Daniel, a forma como o Estado brasileiro organiza as competências e ações dos entes federados na prestação dos serviços educacionais, por exemplo, não contribui para o nosso desenvolvimento. Em sua visão, o setor educacional precisa resolver questões de organização institucional, e não apenas avançar em termos de financiamento ou de prioridades políticas, como muito se discute.

Isso porque, de um lado, o Estado não oferece assistência às regiões com os problemas educacionais mais graves – não por acaso, as que menos têm capacidade de se organizar para oferecer uma educação de qualidade. De outro lado, dá pouca ou nenhuma autonomia às ilhas de excelência educacional do país.

“Com uma estrutura tão engessada, a gente impede o avanço das escolas e das regiões que já demonstram uma capacidade de oferecer serviços educacionais excelentes e poderiam ter mais liberdade para investir seus recursos”, avalia. Na visão de Daniel, um dos caminhos possíveis para lidar com esse problema seria a reorganização da estrutura do federalismo brasileiro para se construir uma nova dinâmica de inovação, compartilhamento de experiências e resgate das escolas em pior situação.

“Esse é um problema eminentemente jurídico”, diz. “O Brasil deveria lançar uma mobilização federativa pela educação – construir um corpo de lideranças públicas e privadas de excelência nos três níveis da federação com a participação da sociedade civil para ajudar as regiões que mais precisam a construir alguma capacidade de gestão e de organização dos serviços educacionais que permitam a elas sair de sua situação crítica”, conclui.

Além disso, ele afirma, é fundamental libertar os que já estão mais avançados para mostrar o caminho de sucesso ao resto do Brasil e amplificar canais de trocas de experiência para quem está no meio. “Numa sociedade bem organizada, alguém tem que fazer isso. A sociedade civil e o mercado têm papéis importantíssimos a cumprir nesse sentido, mas não dá para prescindir do Estado em um país grande e desigual como o Brasil. Precisamos de um federalismo mais solidário, meritocrático e inovador.”

Sensibilidade nacional

Após a conclusão de seu doutorado, em 2013, Daniel retornou ao país e, no ano seguinte, juntou-se novamente aos quadros da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência,

onde ajudou a formular um projeto de qualificação do ensino básico e de fomento ao empreendedorismo no Brasil. Seis meses depois, no entanto, deixou o governo, em função do momento político atribulado. Em outubro de 2015, a Secretaria de Assuntos Estratégicos foi extinta por uma reforma ministerial.

Sobre a experiência de trabalhar na esfera pública num momento de forte crise, Vargas comenta: “O Estado é feito de duas coisas – uma alma e um corpo. A alma é a visão que define as prioridades, orienta a ação. Normalmente, quem anima essa visão é o presidente da República e seus ministros. Já o corpo é o conjunto de políticas públicas geridas por dezenas de lideranças. Nesse momento de crise, a alma perdeu a força e, então, a máquina inteira parou. O que nós estamos vivendo agora é uma crise do nosso projeto de país”.

A reflexão do jurista ajuda a explicar seus novos caminhos profissionais, após a saída do governo. Atualmente, Daniel dá aulas na Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Como professor, pretende ajudar a enfrentar aquele que considera o grande desafio do Brasil hoje: reconstruir a visão sobre os rumos do nosso desenvolvimento.

Um desafio que, em sua concepção, pode ser enfrentado a partir das organizações sociais, da mídia e da academia, em grande medida. “Quero ajudar a formar a nova elite republicana brasileira, que aprenda a pensar e a enfrentar os desafios do nosso país de forma mais profunda e mais original. Eu acho que o Brasil não precisa de novos heróis, precisa de um conjunto de lideranças com sensibilidade nacional”, diz.

Aos jovens interessados em ingressar na gestão pública, ele aconselha ver o Estado como um instrumento poderoso – não apenas um problema e não apenas uma solução, mas uma ferramenta que, se bem operada, tem uma capacidade de impacto que nenhuma outra organização no mercado e na sociedade civil hoje detém. “Todos os projetos de desenvolvimento bem-sucedidos no mundo, nos últimos cem anos, contaram com a ação decisiva do Estado na qualificação do seu povo ou na ampliação de oportunidades econômicas dentro e fora do país.” E conclui: “Gestão pública não pode ser vista como uma arte burocrática, mas como a estrutura que permite ao mercado e à sociedade civil avançarem com vigor”.

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