inclusão de pcds no mercado

Em 2016, 418.521 pessoas com deficiência (PcD) trabalhavam com carteira assinada (segundo a Relação Anual de Informações Sociais daquele ano). Embora número expressivo, representa apenas cerca de 1% do total de vínculos empregatícios do país. Tal desafio de inclusão foi a motivação, anos antes, da criação da lei de contratação 8213/91, que estipula cotas de PcDs nos quadros de funcionários das empresas.

Não só os insuficientes esforços em trazê-los para o mercado de trabalho são parte do problema, como acontece em muitos processos análogos de integração de grupos às relações sociais, faltam políticas que, de fato, promovam adaptação – de todas as partes envolvidas. São diversos os pontos em que as organizações falham – desde a contratação -, conforme contam os seis PcDs, de áreas e níveis de carreira diversos, com quem o Na Prática conversou. Confira seus depoimentos na íntegra.

Onde as empresas erram na inclusão de PcDs no mercado?

Veridiana Helfstein, estudante de Relações Públicas, diagnosticada com paralisia cerebral

“Acredito que a inclusão de pessoas com deficiência vem ganhando espaço diante do mercado de trabalho. Muito também pela lei de cotas e mais visibilidade nos meios de comunicação sobre essa problemática. Mas percebo também que as empresas têm buscado informações relevantes que possam se transformar em atitudes criativas e reais. Como transformar espaços acessíveis e inclusivos muito além de elevadores e rampas. Por exemplo, planos de carreira desenhados para profissionais com deficiência e comitês de discussão sobre assuntos relevantes para o universo PCD.

Mas, em contrapartida, vivo na pele a relutância das empresas em se abrirem para novos modelos de trabalho, como home office. Vejo que há uma resistência sobre novos modelos de inovação e criação desses modelos.

Infelizmente, no ambiente profissional quando falamos de pessoas com deficiência ainda existe um discurso de ‘superação e capacitismo’ como se pessoas com deficiência fossem angelicais ou extremamente coitados.”

 

Guilherme Ferreira, designer gráfico, surdo

“Faz 10 anos que eu entrei no mercado de trabalho e somente nos últimos 4 anos me senti melhor com a inclusão e participação como funcionário na empresa. Acredito que algumas empresas estão visando mais a contratação de funcionários PCD, mas não necessariamente pensando na acessibilidade e preparação do ambiente de trabalho para estes novos funcionários. Isso vem melhorando com o passar dos anos, mas é necessário melhorar muito a questão da inclusão e acessibilidade em todas as áreas, não só no mercado de trabalho, mas nas escolas, prestações de serviços, entretenimento, entre outros. Na busca por trabalho sempre tive mais prestatividade das pessoas em se comunicar comigo e tentar adaptar melhor o ambiente para mim, do que propriamente da empresa e até mesmo meus chefes na busca desta inclusão e acessibilidade. 

No começo, quando tinha apenas 18 anos, para participar de processos seletivos contava com a ajuda da minha irmã, pois as empresas não tinham intérprete para auxiliar nas entrevistas e, após, conseguir meu primeiro emprego, apesar das pessoas com quem eu tralhava aprenderem um pouco de Libras no dia a dia, eu não me sentia inserido ou participativo em reuniões e conversas de equipe.

Já no período da faculdade, tive que ir em busca dos estágios obrigatórios na área e assim conseguir aplicar na prática o que estava aprendendo. Consegui uma vaga em empresa americana e acabei ficando menos de 1 ano, pois meu chefe não tinha paciência e tão pouco vontade de tentar se comunicar comigo em Libras e eu era obrigado a tentar fazer leituras labiais para poder entender e se comunicar com ele.

Fiquei alguns meses desempregado, mas sempre em busca de novas oportunidades de trabalho. Houve uma vez que não fui selecionado para trabalhar em uma editora como designer porque era necessário a utilização do telefone para desempenhar o trabalho.

Após algum tempo consegui entrar na empresa em que estou hoje, que é totalmente acessível e inclusiva. A princípio não entrei para trabalhar na minha área de formação, porém após um tempo consegui uma promoção para trabalhar como designer gráfico e me senti realmente valorizado como pessoa e profissional. Hoje participo de reuniões com a equipe com auxílio de intérpretes, muitos funcionários estão dispostos a aprender Libras e se comunicar comigo.Também participo do conselho PcD da empresa, onde discutimos sempre as melhorias que podemos trazer e implementar na empresa.”

 

João Batista Maia da Silva, fotógrafo e licenciado em História, cego

“As empresas fazem muito pouco porque quem emprega grande parte dos deficientes são as pequenas e médias empresas. As grandes empresa, ao meu ver, que deveriam contratar mais, pela quantidade da lei de cotas, elas é que fazem menos. Falam tanto em acessibilidade, inclusão e aí a gente vem para a questão das barreiras, as físicas, que não possibilitam uma pessoa com mobilidade reduzida ou um cadeirante a acessar o local do seu trabalho, ou uma pessoa com deficiência visual. Mas acho que das piores barreiras são as ‘atitudenais’, o preconceito que ainda existe com as pessoas com deficiência, em grande parte por falta de informação.

Com relação às pessoas com deficiência visual, todas são capazes, cada um vai utilizar a ferramenta que mais se adapta para ser produtivo. Pessoas com cegueira total vão utilizar um leitor de tela, pessoas com baixa visão podem utilizar tanto o leitor quanto o ampliador para mexer e se conectar com PC, notebook, tablet e celular.

A grande barreira que muitos deficientes visuais encontram é a grande desculpa ‘tenho vagas, mas eles não estão capacitados’. Ou, ‘eles são muito capacitados’.

A gente tem que se colocar no lado do outro, ter empatia. Dê oportunidade de igualdade para todas as pessoas com deficiência visual, para que elas possam ser produtivas, contribuir para o crescimento do país.

As pessoas com deficiência visual são muito produtivas quando se possibilita, através de um computador, leitor de tela, fazer qualquer trabalho. Queremos dignidade, respeito. Vamos deixar de hipocrisia, de que existe a inclusão, quando os empresários ou o pessoal do RH prefere uma pessoa com uma deficiência leve e aí descarta as pessoas com a deficiência grave.

Vamos incluir, mas não assinando a carteira do trabalhador com deficiência e deixando eles em casa. Isso é uma vergonha, mas acontece. Vamos possibilitar a integração, que as pessoas sejam recebidas de braços abertos nessas empresas, que os colaboradores sejam preparados para entender que cada pessoa tem sua especificidade e cada uma vai produzir no seu tempo e vai contribuir para melhorar todo o organograma, a estrutura da empresa com essas pessoas que só têm a mudar a convivência.

Será que só temos que empregar PcDs porque a lei de cotas obriga ou porque eles são capazes e podem contribuir para o melhoramento e desenvolvimento de toda uma corporação, de todo um ambiente de trabalho?”

 

Vanderlei Júnior, analista de Sucesso do Cliente e Voluntário da Fundação Estudar, diagnosticado com paralisia cerebral

“Nasci com paralisia cerebral, que afetou a parte motora do corpo. E, como PcD, nos meus 8 anos de CLT, sempre senti que as empresas não valorizam uma pessoa com essa condição. Sempre dando cargos iniciais. Infelizmente, é muito raro ver um PcD conquistando cargos importantes nas empresas. E isso se dá ao fato de olharem somente para a limitação do profissional

As empresas fazem poucas adaptações, nas quais generalizam, [direcionando-as] somente para cadeirantes e/ou PcDs visuais.”

Leia também: Por que estratégias de diversidade falham?

 

Rodrigo Aparecido Galhardi, assistente legislativo na Câmara Municipal de Poços de Caldas, deficiente visual

“Em 2002, aos 18 de idade, prestei o primeiro concurso público, para experiência, e passei. Porém, o Presidente da Câmara Municipal à época entendeu que o espaço da instituição não era adequado para ter um profissional deficiente atuando. Esperei durante 3 anos e meio, até que mudou o Presidente, o qual me nomeou para o cargo que havia passado no concurso, auxiliar legislativo.

O que vale é ressaltar a seguinte questão: como poderia o Presidente de 2002 deduzir minha capacidade ou incapacidade, já que não me conhecia e nem sabia do meu potencial, e se utilizar desse pensamento para estabelecer que a Câmara não tinha condições de receber um profissional deficiente? A única adaptação necessária que utilizo é um sistema de voz no computador (sintetizador de voz para que o software reproduza, em voz, o que está no monitor).

Fui nomeado, portanto, em 2005. No primeiro momento ocorreu um processo de adaptação. Eu tive que entender o funcionamento da Câmara, do meu setor, das minhas atribuições e atividades, e os servidores a assimilar a situação de trabalhar com uma pessoa com deficiência, no meu caso visual. Foi um processo rápido. O que no começo era um processo de mais auxílio dos servidores em relação a mim passou a ser um processo natural e colaborativo de apoio mútuo, trabalho em equipe. Em 2014, vislumbrando crescimento profissional, prestei concurso público para o cargo de assistente legislativo também para a Câmara Municipal, para o qual passei, entrando em exercício no ano seguinte, permanecendo até hoje.

Conceitos prévios estabelece-se quando não há informação. Assim, sempre estive disposto a esclarecer quaisquer tipos de perguntas e dúvidas. Acredito que essa disposição em não me colocar numa posição de vítima, mas buscando sempre ser protagonista da minha história, fez com que houvesse mais respeito em relação a pessoa e profissional que sou. Nunca quis e nem aceitei ser definido em função da deficiência que tenho. O que me define são minhas características, por exemplo, de personalidade. Sou deficiente visual, portanto, tenho limitação visual, a qual não pode ser fator impeditivo para exercer minhas atividades sociais, profissionais, de lazer, dentre outras.

Há excessivo debate sobre inclusão, porém não existe um processo de acompanhamento para saber se a inclusão está se revertendo em integração. Num processo de inclusão pode-se simplesmente colocar um deficiente para trabalhar, sobretudo, para cumprir a cota definida pela legislação e para a empresa não pagar multa em função de fiscalização, entretanto, esse profissional, em relação à sua equipe e empresa, apenas coexiste no ambiente de trabalho. Defendo a integração da pessoa com deficiência no mercado porque quando se integra e se convive é que há respeito pelas diferenças.

Por outro lado, o deficiente não pode se vitimizar e pensar que a cota, garantia da legislação, é garantia de oportunidade de trabalho. Tem que se profissionalizar, se capacitar e demonstrar seu potencial. Se pensarmos que para um profissional sem deficiência já é difícil uma oportunidade no mercado de trabalho, para uma pessoa com deficiência é mais difícil ainda, sem capacitação, quase impossível.

E para finalizar, um gestor que acredita que na diversidade é que reside as grandes oportunidades, pode, destemidamente, investir em um profissional deficiente e perceber que há um potencial imenso a colaborar com a organização. Deficiência não aumenta nem diminui o potencial de ninguém. O que define cada um é a vontade de conquistar e isso é inerente a cada pessoa.”

 

Wander Franco, auditor fiscal, professor e palestrante, não tem os dois braços

“Quando se fala de pessoas com deficiência no mercado de trabalho, tenho muito a contribuir pois já vi inúmeras situações tanto do lado das empresas como de PcD.

Hoje está bem melhor do que em relação a anos anteriores, mas ainda não é a perfeição quanto ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. Antigamente, as empresas tinham um certo receio em contratar PcD, mas depois do Estatuto e de leis elas se viram obrigadas a contratar, e a partir daí começaram a ver  que PcDs, muitas vezes, trabalham semelhante a pessoas ‘normais’ em relação à produtividade ou qualidade, e em situações recepcionais elas trabalham de forma bem mais produtiva ou excepcional do que se fossem pessoas sem deficiência, pois a sua deficiência é um diferencial para aquele tipo de trabalho.

Atualmente eu vejo que muitas empresas já contratam PcD de acordo com a legislação quando se fala em cotas de vagas legais, porém a maioria desses empregos não são os de gerência ou superiores, e sim os básicos. Ainda há falta de conscientização por parte das empresas em acreditar que as PcDs possam ser grandes gestores ou líderes e em começarem também a enxergar que muitos tem extraordinários currículos.”

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