Quando tinha 15 anos, Alice Freitas ficou um ano na Tailândia aprendendo o idioma local. Questionada sobre a escolha de um destino tão fora da caixa, ainda mais nos anos 1990, ela se surpreende. Não tinha pensado nisso antes. “Fui criada numa família muito livre, que me deixou desenhar minhas próprias ideias, e talvez isso tenha me encorajado a nunca ter medo do diferente”, diz. Um traço que veio a calhar quando decidiu tornar-se empreendedora social por profissão. “Meu apetite para risco é muito alto e para empreender você precisa disso.”
Ao voltar da viagem, interessou-se pela carreira diplomática. Dona de boas notas, estudou Direito na UFRJ e chegou perto de concluir o curso de Relações Internacionais na Universidade Estácio de Sá. Mudou de rumo quando trabalhava em uma multinacional e uma amiga lhe propôs uma viagem de três meses pela Ásia, com o propósito de pesquisar iniciativas sociais.
As duas venderam todas as roupas de executiva para bancar as passagens. “Visitei uma favela pela primeira vez na vida quando fomos fazer o projeto da viagem e foi assim que descobri o mundo social – não fazia o menor sentido eu ter estudado tanto para promover bem só para mim mesma”, lembra. Uma vez fora do país, passaram por Índia, Bangladesh, Tailândia e Vietnã. “Fiquei apaixonada por geração de renda e decidi que era aquilo que queria fazer.”
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De volta ao Rio, explorou as possibilidades do terceiro setor e passou dois anos no grupo cultural Afroreggae. No meio tempo, outra amiga, Rachel Schettino, teve uma ideia: criar uma maneira de vender produtos feitos à mão e gerar renda para os produtores.
Investindo dinheiro do próprio bolso, começaram a validar o modelo. Treinaram e viveram com 30 artesãs que confeccionavam artesanato com jornal em uma cooperativa de catadores, eventualmente conquistando a confiança da comunidade.
Depois foram abordadas por outros grupos, também interessados nas possibilidades d e venda. Para atendê-los, acabaram montando a primeira rede de venda direta de produtos artesanais do Brasil, que batizaram de Rede Asta.
“Depois disso, nunca mais paramos”, resume Alice, que ocupa o cargo de diretora executiva. Citada como exemplo de negócio inclusivo pela ONU, a Rede Asta emprega mais 900 artesãs em 10 estados brasileiros e faturou R$ 2,2 milhões em 2015 – mais de R$ 900 mil em renda gerada para os produtores – vendendo roupas e peças de decoração.
Breakeven O caminho não foi uniforme. Nos primeiros dias, em 2005, Rachel enchia uma sacola, saltava do ônibus em Copacabana e batia de porta em porta oferecendo os produtos em lojas de decoração. “Começamos sacoleiras”, brinca Alice.
Com um pouco mais de tempo, montaram um quiosque no Shopping Tijuca. Não tiveram retorno financeiro por dois anos. Rachel vendeu o carro e as duas faziam pequenos trabalhos, ainda acreditando que daria certo. “Era muita tentativa e erro mas, para cada cinquenta nãos, ganhávamos dois sims que superavam tudo em questão de alegria”, lembra.
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Quando conseguiram investimento, contrataram uma consultoria para investigar o setor de venda direta, então algo novo no país. Muitos dos cenários analisados, no entanto, falharam na prática. “No papel todo mundo queria ser sócio do negócio mas, durante um ano, nada daquilo funcionou.”
Foi com Rosane Rosa, a terceira sócia, que a organização começou a entrar nos eixos em termos de business. Especialista em canais de venda e com experiência em empresas do varejo, como Ponto Frio e Casa e Vídeo, ela se apaixonou pela ideia e trouxe sua expertise.
Crescimento Hoje o modelo de negócios funciona em breakeven e tem receita diversificada, já que só a venda dos produtos – via e-commerce ou nos dois pontos físicos no Rio – não consegue bancar todos os projetos.
Além de oferecer para varejo e para atacado, que é seu maior foco, a Asta ainda capta recursos e vende serviços de capacitação para empresas. A Coca-Cola, por exemplo, pagou para que a organização treinasse um grupo a utilizar garrafas pet e latinhas na criação de artesanato na Amazônia.
“Negócios sociais, no Brasil e no mundo, ainda são experimentais, não dá para pensar dentro da caixa”, explica Alice, lembrando que não há ainda uma legislação nacional específica para esse tipo de empreitada.
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Para que a Asta cresça mais, ela diz que um novo modelo de negócios será implementado em 2017. A prioridade será o público B2B: atualmente, seus 800 clientes corporativos correspondem a 56% do faturamento.
“Um empreendedor não faz nada sozinho e precisa reunir as pessoas certas na hora certa”, resume. “Precisa ter visão de gestão e uma noção de impacto social, especialmente em relação à base da pirâmide.”
Foi uma lição que ela sentiu na pele, lidando com a desconfiança das primeiras artesãs no começo da história. Ter boas habilidades de comunicação também ajuda nessa hora. “Quanto maior for sua capacidade de contagiar as pessoas, maiores serão suas chances.”
Feminismo Todos os meses, um grupo produtivo diferente faz uma visita às lojas físicas, em Ipanema e Laranjeiras, para acompanhar o movimento e a recepção aos produtos. “A gente se realiza demais, porque é muito bom ver que seu trabalho impacta não só a sua vida mas também as vidas de outras pessoas”, diz.
Construir um negócio social, para ela, serve como um legado para a sociedade ao realizar pequenas revoluções. Nessa linha funciona um dos focos da Rede Asta: o empoderamento feminino. Mulheres compõe a grande maioria dos grupos produtivos do negócio e 90% da renda da mulher é investida na família, explica Alice.
O efeito cascata de uma iniciativa positiva como a geração de renda é sentido pelos filhos, pela vizinha e, de certa forma, por toda a comunidade.
“O avanço que vejo em relação ao feminismo e ao empoderamento da mulher é que se começou a falar muito sobre isso, algo que não acontecia há dez anos”, lembra. “O assunto se tornou público e isso é positivo porque faz com que a gente consiga fazer o resultado acontecer mais rápido.”
Escolhas Como um negócio social visa reinvestir os lucros em si mesmo, pode ser uma escolha profissional inicialmente difícil de explicar para pessoas sem familiaridade com o tema. “Quando resolvi não ser diplomata, minha família não entendeu nada e ninguém sabia dizer o que eu fazia. ‘Você podia estar em Nova York mas está fazendo fuxico de tampinha nas favelas!’, me disse minha madrinha”, ri Alice, hoje motivo de orgulho da família.
É também uma escolha por um estilo de vida. “Não faz sentido ganhar setenta vezes mais que aquela pessoa que você apoia ganha”, resume. “Optamos por uma vida simples e por viver com o suficiente.”
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É algo que ela já passa para a próxima geração. Ao ler um livro para o filho de três anos, ele apontou uma discrepância: as joias preciosas no braço da personagem não eram de lixo reciclável. “Ele dizia: ‘mamãe, é lixo!’, porque eu sempre uso colares de vidro de shampoo ou borracha de bicicleta”, diverte-se.