Aposto que na sua infância ou adolescência, quando você percebeu a importância do dinheiro, quis abrir algum pequeno negócio, sozinho ou com amigos, para ganhar uns trocados. Tem gente que escolhe o comércio e vende gibis, figurinhas ou jogos de vídeo game. Outros preferem os serviços e acabam lavando o carro do vizinho, trabalhando de baby-sitter ou dando aquela aula básica de informática para as amigas da vovó. Essas iniciativas geralmente duram algumas semanas, o suficiente pra você conseguir comprar um tênis ou juntar uma grana para levar na próxima viagem. No caso do Luiz Quinderé, 25, do Brownie do Luiz.
Essa história já dura 10 anos e, mais do que se tornar um negócio financeiramente viável, serviu de instrumento para um profundo “life hacking”, que continua gerando novos desdobramentos na vida dele.
Aos 15 anos de idade, o então estudante do primeiro ano do ensino médio de uma escola do Rio de Janeiro, começou a levar de lanche os brownies que ele mesmo fazia em casa. Os amigos sempre pediam uma mordida e, com o tempo, o encorajaram a levar alguns para vender, que eram disputadíssimos na hora do recreio. O boca a boca continuou na época da universidade, fazendo com que o agora estudante de Administração começasse a vender os doces na Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio).
Depois de seis anos de trabalho informal e caseiro, o Brownie do Luiz já era sucesso não apenas na Gávea, onde Luiz fazia as entregas de skate, mas também em eventos e lojas que encomendavam os doces para revender. Foi quando surgiu o convite para uma participação no programa Mais Você, na Rede Globo. Luiz foi, preparou o seu brownie com a ajuda da apresentadora Ana Maria Braga, e tudo mudou. A repercussão foi tamanha que os pedidos não paravam de chegar e Luiz percebeu a necessidade de aumentar a produção, contratando funcionários e migrando a produção para uma cozinha industrial.
“Não tinha mais como manter daquela forma, na casa dos meus pais. No final, eu usava o quarto de empregada e todo o corredor como estoque, a sala como área de embalagem e já tinha praticamente roubado a cozinha da minha mãe. Era a hora certa de arriscar uma coisa maior”, conta Luiz.
Ele devolveu a cozinha para a mãe, mas levou a funcionária que trabalhava lá. Vania Maria Filgueiras, que cozinhava os brownies com ele desde o início, abandonou o emprego de anos e ainda levou junto Paulo Sergio de Andrade, o Paulinho, seu marido, que era porteiro e largou o emprego para ir ganhar menos ajudando o garoto que fazia os brownies. Foram todos trabalhar num espaço de 20m² em Laranjeiras (também no Rio) que acomodava 15 pessoas numa ritmo de produção frenética. “Olhando para trás, foi uma loucura. A gente ficou um tempo lá, juntamos um dinheiro, peguei um pouco mais emprestado com a minha mãe e fomos para um espaço dez vezes maior, na Praça da Bandeira. Uma fábrica de verdade. O ponto em Laranjeiras virou a nossa primeira loja”, diz Luiz.
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A brincadeira fica séria A partir da expansão, surgiram as responsabilidades. Ele teria de pagar aluguel, bancar todas as contas e contratar gente para viabilizar esse crescimento. “Durante os meus seis anos da informalidade, eu poderia parar tudo quando quisesse. Não pagava aluguel e só pagava um variável ao pessoal que me ajudava. Agora, a brincadeira ficaria bem mais séria”, diz ele, e prossegue: “Não gosto muito desse papo de que você deixa de ser empreendedor e vira empresário. Para mim, é fundamental empreender sempre dentro do seu negócio e dar condições para que as pessoas que trabalham com você façam o mesmo.”
No entanto, ele afirma que, “sem dúvida, existe uma transição importante e difícil no momento em que você percebe que o seu negócio ‘vingou’ e tem que se formalizar, se estruturar e começar a gerir uma operação cada vez maior”.
Luiz acredita que há dois grandes desafios para os empreendedores nessa etapa. O primeiro é enfrentar a burocracia brasileira. “Formalizar um negócio no Brasil não é fácil. Você começa a tratar com muitos órgãos diferentes que parecem só querer te atrapalhar. Eu quase desisti, ou pelo menos parei pra avaliar se valia a pena crescer e assumir toda essa dor de cabeça.” O segundo é começar a administrar o que ele acredita ser o ativo mais valioso de qualquer empresa: gente.
Para ele, foi difícil abandonar o controle de funções que ele estava acostumado a fazer sozinho. “Eu comprava os ingredientes, embalava, vendia, entregava, fazia as mídias sociais, tudo praticamente sozinho, por muito tempo. Acabei me tornando muito centralizador. A minha sorte é que tive sempre gente bacana do meu lado para me ajudar e aos poucos fui aprendendo a delegar”, afirma.
Essa “gente bacana” à qual ele se refere o tempo todo na conversa incluía alguns “amigos do peito”, “irmãos camaradas”, que pouco em pouco o ajudaram a a criar o logo, deram dicas jurídicas e administrativas, ajudavam a embalar e etiquetar os brownies etc. Luiz acabou chamando cinco dessas pessoas para integrar a sociedade da empresa com ele. “Não é que tivesse alguma dívida com eles, mas queria muito todos por perto”, diz. Hoje o Brownie do Luiz tem seis sócios, entre eles Vania e Paulinho.
“O brownie leva o meu nome, mas não seria o que é se não fossem eles. Antes eu tinha uma coisa de querer que as pessoas que entrassem aqui ficassem trabalhando comigo para sempre. Hoje, já entendo que isso até pode ser um desejo meu, mas cada um tem os seus sonhos e caminhos. O que quero é que as pessoas usem a experiência aqui dentro para crescerem, evoluírem e me ajudarem a fazer o mesmo. Quero que o Brownie do Luiz seja um lugar de transformação”, diz ele.
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Ainda sobre o assunto, o empreendedor faz um exercício de olhar para si e contar sobre o que aprendeu nesses 10 anos: “Eu era um moleque de 15 anos que não tinha obrigações, nem compromisso com nada. Cheguei a ser expulso do meu colégio e nem me formei na faculdade. O negócio começou como uma brincadeira e acabou me ensinando muito sobre mim, quem eu realmente sou e do que sou capaz. Nunca tive um emprego formal e, hoje, assino 35 carteiras de trabalho. Muitas famílias dependem da minha empresa. O brownie me ensinou a deixar de ser moleque.”
O homem que hoje comanda o negócio já não mora com os pais, está dividindo um apartamento com alguns amigos, mais próximo do trabalho. Ele conta que ter a família por perto quando tudo começou foi fundamental. A mãe, sócia de um tradicional bar e restaurante no Leblon, o ajudou muito como mentora. O pai, ambientalista e músico, teve forte influência no propósito da empresa. “Sou músico por causa dele e sempre vivi com uma preocupação ambiental grande dentro de casa. Por isso, desde o início, nosso produto mais vendido é a casquinha (da borda da forma) que, por não ser quadrada e não poder ir na embalagem tradicional, é vendida dentro da lata do achocolatado usado na receita, que iria para o lixo. Ou seja, a gente fez de dois elementos que seriam descartados, a estrela da companhia”, conta ele.
No momento a companhia está construindo sua terceira fábrica e possui duas lojas próprias na Zona Sul carioca (Laranjeiras e Leblon). Está presente em mais de 200 pontos de venda no Rio e em alguns poucos em São Paulo, entre eles o Eataly. Segue fazendo as entregas à moda antiga: o cliente liga, faz a encomenda e recebe os brownies em casa, no dia seguinte. E pode também comprar na loja virtual, que atende todo o território nacional. O brownie no sabor original sai por 3,50 reais a unidade, os recheados (de Nutella, limão, maracujá, doce de leite ou chocolate branco) saem por 5 reais, o brownie com castanha de caju custa 6 reais. Além disso, é possível comprar o tabuleiro inteiro, por 60 reais. Ou a lata com as casquinhas do bolo, por 20 reais. Há também caixas de degustação, por 55 e 90 reais, dependendo do tamanho.
“A gente não para de crescer. O mês de novembro foi o melhor da história, vendemos em torno de 12 toneladas” conta ele. A projeção era fechar 2015 com um aumento de 80% do faturamento em relação ao ano anterior.
Expansão e planos para o futuro O sucesso dos brownies não passou despercebido. Algumas outras marcas surgiram no mercado, mas Luiz não encara isso com preocupação. “A palavra concorrência não vem de competição. Vem de correr junto. A concorrência é um cara que está ali para te ajudar a continuar crescendo. Poucas pessoas pensam assim e tem gente que acha que eu sou maluco por isso”, diz. Ele entende o seu mercado como o mercado de doces, que é “gigantesco e dominado por grandes players”, e que pensar que uma outra marca de brownie é sua concorrente seria uma visão muito limitada dessa realidade: “Somos duas formigas brigando pelo Maracanã. Se outra marca vende brownie, ela está mais me ajudando a desenvolver uma cultura doces artesanais e mais pessoais do que querendo me roubar uma fatia de mercado.”
Luiz conta que já recebeu várias propostas de gente querendo investir na empres, mas nunca quis. “Não quero alguém que não me conhece direito, que não conhece os meus valores e que vai ficar sentado atrás da mesa querendo um retorno financeiro”, diz. “Até por que o dinheiro, definitivamente, não é prioridade. A gente quer ver as pessoas crescendo e participando.”
Para garantir que isso ocorra, Luiz tenta que a gestão seja o mais horizontal possível. Sempre que dá, eles fazem reuniões no fim do mês para que todo mundo fale, sem medos nem segredos, sobre o período. “É para impedir que uma coisinha pequena acabe se transformando num problema maior que você nem sabe mais de onde surgiu”, diz. Trabalho, para ele, é coisa a ser feita com prazer. Quando dá, o surdo e o pandeiro encostados na parede da fábrica ganham vida e dão som ao bloco carnavalesco “Brownie is The New Bolo”, como aconteceu na festa de aniversário de dois anos da loja de Laranjeiras.
Luiz reflete, mais uma vez, sobre como a realização no trabalho significa uma mudança profunda em sua vida: “Realizar coisas é muito maneiro. Ver uma fábrica pronta, uma loja nova, um produto novo… A gente acabou de lançar uma cerveja. Nunca na minha vida pensei que um dia seria um produtor de cerveja. Esse poder de concretizar coisas é muito incrível. Mas o que mais me motiva a trabalhar como eu trabalho é a minha galera, as pessoas que trabalham comigo. Trato trabalho de uma forma bem diferente. Quero estar com elas o máximo de tempo possível”.
Trabalhar com alegria, dividir a sociedade com amigos que o ajudaram, não se incomodar com a concorrência. O que mais? Não ter medo de ser imitado. Outra coisa que fez muita gente chamar o Luiz de louco é o fato dele ter revelado, de cara, qual era a receita do seu brownie (está detalhada aqui). Ele abriu o jogo desde o início, não teve aquela história de formula mágica e secreta. A ideia era mostrar que tudo que eles estavam construindo era artesanal, algo tão verdadeiro que qualquer um poderia reproduzir em casa. “O segredo não é a alma do negócio. A alma é que é o segredo do negócio”, diz. Ah, sim, Luiz também dá palestras motivacionais nas quais conta a sua trajetória e, assim, inspira outras pessoas a tomarem a rédea de suas vidas. Não tem segredo. Quer dizer, tem, mas não é segredo.
No vídeo a seguir, Chieko Aoki fala sobre a vontade de empreender:
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Este artigo foi originalmente publicado em DRAFT