Por que os brasileiros pararam de ler (e como voltar)

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Egberto Santana

Publicado em 29 de outubro de 2025 às 10:00h.

Em novembro de 2024, o Instituto Pró-Livro divulgou os dados da 6ª edição da pesquisa Retratos da Leitura no Brasil — e o resultado foi alarmante: o país perdeu 7 milhões de leitores em apenas quatro anos. Pela primeira vez na série histórica iniciada em 2007, o número de não leitores superou o daqueles que leem no país.

Segundo o levantamento, mais da metade da população brasileira com mais de 5 anos não leu algum livro, nem sequer parte dele, nos três meses anteriores à pesquisa. O número de leitores caiu de 100,1 milhões (2019) para 93,4 milhões em 2024. E a média anual de livros lidos por pessoa também encolheu: de 4,95 em 2019 para 3,96 em 2024.

Por que as pessoas pararam de ler?

A educadora Bel Santos Mayer, ativista da causa do livro e coordenadora do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (IBEAC) e co-gestora da Rede LiteraSampa, enxerga a atual crise como resultado de um abandono institucional aliado a mudanças nos hábitos culturais da população.

“Tivemos um conjunto de fatores que distanciaram os livros das pessoas”, relembrando uma série de políticas que colaboraram para o resultado, como o fechamento de bibliotecas públicas, o desmonte de políticas culturais e a ausência de incentivo à leitura nas escolas e de um Ministério da Cultura durante quatro anos.

A queda, porém, não afeta a todos igualmente. Para Bel, é essencial olhar os dados com mais profundidade. “Somos um país em que os adultos também não leem”, completa, reforçando que não basta exigir leitura dos jovens sem que os mais velhos deem o exemplo.

Hábito de leitura e alfabetização

A ativista também analisa a pesquisa em fatores sócio-históricos, e comenta que parte da população brasileira teve o direito à alfabetização negado historicamente, especialmente nas periferias, o que tende também a afetar esse resultado.

“A gente vive num país em que há muitas pessoas não letradas como resultado da ditadura, por conta de uma lei de 1971 que deixava para os filhos de trabalhadores apenas formações em trabalhos braçais, impedindo que fossem para a universidade e tornando esse ambiente o mais elitizado possível”, explica, apontando como a desigualdade estrutural impacta diretamente o acesso aos livros.

Outro elemento apontado por Bel é o impacto das tecnologias digitais no comportamento leitor. A educadora reforça o fato de que as redes sociais e a oferta de vídeos curtos existem para sequestrarem a nossa atenção, por isso não se trata de culpabilizar o indivíduo. “Mas a responsabilidade de sair disso está conosco”, ressalta.

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Por que ler (ainda) importa

Mesmo diante do cenário desanimador, Bel reforça a importância da leitura para diversas competências da nossa vida. Em tempos de atenção fragmentada, a leitura pode ser usada para “aprender a pausar e recuperar a atenção que vem sendo sequestrada“. Ela ainda enfatiza que a leitura, em famílias mais pobres, proporciona uma mudança de perspectivas onde o destino deixa de estar definido e você amplia as possibilidades de escolhas na vida.

A grande maioria das mulheres, enxergam, por exemplo, a leitura como um modo de transformar as suas realidades, com a educação que a literatura oferece. “É uma grande possibilidade de autoconhecimento, transformação de si e da própria realidade.”

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Como voltar a ler?

Perguntamos para a pesquisadora algumas dicas de como voltar a ler em um cenário tão desolador retratado na pesquisa. “Leia uma página por dia. Se não conseguir, uma a cada dois dias. Isso já muda os dados da leitura no Brasil”. Outras sugestões dela incluem:

  • Criar círculos de leitura com amigos ou familiares;
  • Conversar sobre livros lidos, criando conexões emocionais com as histórias;
  • Indicar livros a outras pessoas e acompanhar sua experiência;
  • Frequentar bibliotecas públicas e comunitárias;
  • Apoiar autores e livrarias locais, comprando ou divulgando livros.

Para Bel, o gesto da leitura precisa ser compartilhado. “Se cada leitor conquistar mais um, mudamos a próxima edição da pesquisa”, diz.

Onde encontrar livros gratuitos?

Apesar da crise de leitura, o acesso ao livro nunca foi tão fácil. Aqui vão algumas dicas para quem quer (re)começar a ler gratuitamente no meio digital ou físico:

Onde estão as bibliotecas públicas?

A pesquisadora também defende a existência das bibliotecas comunitárias e públicas como espaços de fundamental importância para a sociedade e essenciais para retomar os bons resultados da pesquisa. Elas são reconhecidas como locais que oferecem um ambiente benéfico para alcançar condições, equilíbrio, leveza e tempo para pensar e realizar mudanças.

Bel cita a pesquisa “O Brasil que Lê: Bibliotecas comunitárias e resistência cultural na formação de leitores” que constatou como os jovens que frequentam bibliotecas comunitárias são mais estudiosos e apresentam melhor desempenho na vida acadêmica. Além disso, onde houve um aumento de bibliotecas comunitárias, notou-se um crescimento de leitores, apostando nos benefícios da competência para a leitura crítica e na recuperação da atenção.

Mas onde achar a biblioteca mais próxima do seu bairro, para que todos possamos apoiar e frequentar esses espaços? É fácil! Basta acessar o site do Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas.

Dentro da plataforma, filtre pela categoria de interesse, tipo de biblioteca (se é privada ou pública, por exemplo) estado e munícipio de sua preferência. O sistema vai sinalizar os pontos dentro do mapa, com endereço completo para que o usuário possa anotar e se direcionar até o local.

Assim, “a gente pode sair muito melhor na foto da próxima edição”, como diz a pesquisadora.

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