Deep Tech: saiba como funciona esse setor inovador no Brasil

Capa da matéria Deep Tech: saiba como funciona esse setor inovador no Brasil

Carina Bacelar

Publicado em 18 de setembro de 2025 às 14:08h.

Você sabe o que é uma deep tech? Se você tem interesse no setor de pesquisa e inovação, já deve ter ouvido falar desse termo. Deep techs são empresas, principalmente startups, que criam novas tecnologias baseadas em descobertas científicas ou inovações significativas de engenharia.

Neste artigo, você vai entender o que é uma deep tech, e como esse setor tem se comportado no Brasil, em uma relação bastante próxima com universidades e centros de excelência.

O que é uma deep tech?

Na definição do relatório Deep Tech Radar Latam 2025, da consultoria Emerge, a deep tech é uma startup que oferece serviços ou produtos originados por pesquisas científicas e tecnológicas de ponta. Normalmente, elas cumprem cinco critérios objetivos para ter essa classificação:

1. Base científica tecnológica: A startup deve estar envolvida no desenvolvimento de produtos, serviços ou processos que são baseados em pesquisas científicas e tecnológicas profundas.
2. Transformação sistêmica: Refere-se à capacidade da inovação de gerar uma mudança fundamental ou disruptiva em um sistema ou indústria.
3. Aplicação no setor: Indica que a tecnologia tem uma aplicação prática e impacto em um setor específico do mercado.
4. Proteção e diferenciação: A inovação deve ser passível de proteção (por exemplo, via patentes) e ter um diferencial competitivo significativo.
5. Desenvolvimento e maturação: Implica que a tecnologia requer um período substancial de pesquisa, desenvolvimento e validação para alcançar a maturidade.

O que é preciso para trabalhar em uma deep tech?

Segundo Daniel Pimentel, co-founder da Emerge, quem quer começar a atuar na área de deep techs “precisa ter conhecimento de vanguarda global”. “O caminho do mestrado, do doutorado e do pós-doutorado enriquece muito a robustez técnica e tecnológica do que está sendo construído”, destaca.
Mas seguir a carreira acadêmica não é tudo: é preciso, além de criar, aplicar esse conhecimento para resolver problemas de grandes mercados e ser ambicioso a ponto de focar em desafios globais. Além disso, se dedicar a entender como e onde conseguir recursos para a sua solução.
“Precisa ter todo um jogo de captação pública a privada, incluindo um diálogo com o ecossistema industrial, para conseguir direcionar e participar desses ambientes de pesquisa ,que já são ricos em conhecimento, em capital humano”, analisa Pimentel.

As principais soluções criadas por deep techs

O radar traz um detalhamento das principais tendências das soluções criadas por essas empresas de inovação:

IA e Computação (tecnologias baseadas em software avançado, algoritmos e sistemas preditivos);
Biotecnologia (uso de organismos vivos ou modificados para criação de produtos, terapias ou soluções industriais);
Robótica e Sistemas Autônomos (soluções que integram componentes com controle autônomo e capacidades sensoriais ou motoras);
Tecnologia Quântica (exploração de fenômenos quânticos para processamento, sensoriamento e segurança de informação);
Sensores e IoT (soluções baseadas em sensores físicos, químicos ou biológicos integrados a redes inteligentes);
Blockchain (tecnologias distribuídas de confiança e rastreabilidade digital de ativos e dados);
Materiais Avançados e Nanotecnologia (desenvolvimento de materiais com propriedades excepcionais a partir de engenharia de superfície, estrutura ou composição);
Química e Física Avançadas (aplicações que usam princípios físicos ou químicos para gerar funcionalidades inovadoras ou novos métodos de transformação). 

Qual é a posição do Brasil no mercado de deep techs?

O relatório da Emerge mostra que existem 1316 deep techs na América Latina, e 72% delas (952) estão o Brasil. A liderança é atribuída ao peso populacional e econômico do país, mas também à quantidade de pesquisadores e universidades, e ao papel ativo de agências governamentais de incentivo à pesquisa, como Finep, BNDES, Sebrae e FAPESP.

Por outro lado, Enquanto o Brasil tem um mercado interno relevante para inovações, países como Chile e Argentina, que têm foco internacional, atraem mais facilmente investidores globais.

O Chile lidera a atração de investimentos em deep techs na América Latina, com quase US$ 607 milhões, seguido pela Argentina (US$ 486 milhões) e, só depois, pelo Brasil (US$ 216 milhões). Isso se explica também porque a maior parte dos investimentos ficam em poucas empresas da região, consideradas outliers.

A análise mostra, por outro lado que o Brasil se destaca na pesquisa, que é tão fundamental nesse setor. O país acumula mais de 700 mil publicações e 21.929 patentes. E isso, segundo especialistas responsáveis pelo relatório, pode ser atribuído ao ecossistema acadêmico relevante no nosso país.

Quais são os principais setores de atuação das deep techs?

As áreas de mais destaque desse mercado na América Latina são saúde e bem-estar, que concentra 37% das empresas, e agro e alimentos (28%). Só esses dois setores concentram 65% das startups. Esse cenário, segundo a pesquisa, reflete vantagens comparativas, como a liderança global no agronegócio e as demandas cada vez maiores em saúde pública.

Por outro lado, setores de sustentabilidade, como energia e clima (7%) e mobilidade e logística (2%) ainda não concentram tantas empresas. Essa desigualdade entre setores é um reflexo da concentração de investimentos nesses países, como mostra a tabela a seguir:

Os desafios das deep techs nos próximos anos

De acordo com o relatório, os principais desafios das deep techs na América Latina passam pela concentração de investimentos, mais necessidades de políticas públicas de fomento e outros:

Capital e investimento desiguais

O ecossistema de deep techs na América Latina é caracterizado por um “jogo de outliers”, onde poucas empresas atraem a maioria dos grandes investimentos.

Apesar de o Brasil concentrar o maior número de deep techs, não lidera em investimento mobilizado, indicando desafios na conversão de recursos em empreendimentos. Muitas startups no país ainda dependem de capital público de baixo volume.

Dificuldade na aplicação do conhecimento científico para o mercado

A ciência na América Latina se tornou um motor de inovação, com universidades como UNICAMP, UFMG e USP no Brasil liderando o registro de patentes. Mas a transformação desse vasto conhecimento em tecnologia aplicada ainda é fortemente dependente do setor público.

O Brasil é conhecido por suas publicações científicas e patentes. No entanto, enfrenta desafios para transformar investimentos em novas startups. Isso mostra uma diferença entre a produção de conhecimento e sua aplicação no mercado.

Subdesenvolvimento de Setores Estratégicos

Setores cruciais como Energia & Clima (7% das deep techs) e Mobilidade & Logística (2%) continuam subdesenvolvidos, apesar do grande potencial da América Latina como um hub global de transição energética. Além disso, áreas como Defesa & Soberania e Espaço & Observação também têm presença tímida.

Esse cenário revela um descompasso estrutural entre as vocações naturais do país, como biodiversidade e matriz energética limpa, e os incentivos à inovação nesses setores.

Desaceleração de novas Deep Techs

Depois de um período de expansão rápida, chegando a 185 novas deep techs criadas em 2020, a região tem observado uma desaceleração significativa a partir de 2023.

Houve uma queda de 46% no número de startups fundadas em 2023 em relação a 2022, e mais 56% em 2024 em comparação com o ano anterior. Essa tendência pode ser atribuída ao cenário global do mercado de investimentos, e à menor visibilidade das startups mais jovens.

Necessidade de Políticas Públicas e Articulação Reforçadas

Há uma desigualdade no desenvolvimento de tecnologias na América Latina, e isso mostra que precisamos de políticas públicas mais fortes. Elas devem incentivar investimentos em pesquisa e desenvolvimento.

As recomendações do relatório incluem aumentar programas de pós-graduação e centros de pesquisa para atrair e manter talentos. Também é importante fortalecer a formação de doutores empreendedores. Além disso, é necessário conectar pesquisadores com a indústria e usar compras públicas para alavancar a adoção de novas tecnologias pelo próprio governo.

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