Computador dos anos 1990

É impressionante como o mercado é pródigo em reempacotamentos, especialmente o ambiente de negócios. Inovar também é recombinar elementos existentes de forma distinta, em novo contexto. Participando da FintechClass do Startse dos meus amigos Marcelo, Pedro e Felipe, me lembrei de uma história incrível que eu vivenciei e que pode ser útil pra quem está nessa onda de Fintechs atual. Quero compartilhar com vocês minha experiência de ter montado uma Fintech nos anos 1990, no berçário da internet.

Sim, muito antes de GuiaBolso, Quero Quitar, Easy Credito e outras, já existiram Patagon, Investshop e Creditoimobiliário.com.

Imagino que alguns dos empreendedores da internet atual, na faixa de 25 a 30 anos, não saibam, mas o mundo e o Brasil viveram um boom digital de 97 a 2000. Foram lá que nasceram players como Nutec (que virou Zaz e acabou Terra), ZipNet, Booknet, Bol e IG, só pra citar alguns. Nessa época eu tocava a área de relacionamento com cliente e tecnologia de um mortgage bank (banco hipotecário) no Sul do Brasil chamado Companhia Província de Crédito Imobiliário.

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Junto com o principal executivo da empresa e um super parceiro de tecnologia, resolvemos fazer o spinoff — que nome bonito né? — da operação digital, formando a startup Créditoimobiliário.com. Essa moda atual de separar o banco digital do tradicional não tem nada de novo.

O insight

Entendemos que havia a oportunidade de montar um marketplace — ok, não sabíamos que era um marketplace — mas queríamos conectar tomadores de crédito imobiliário (eu e você) com os fornecedores de funding, no caso os grandes bancos. Isso tudo numa época em que o crédito imobiliário tinha baixíssima penetração no total de crédito, e a internet ainda era discada.

Nosso objetivo era facilitar o tortuoso processo percorrido por alguém que quer comprar a casa própria e nos consolidarmos como um originador de crédito imobiliário, que até então era distribuído como um produto sem apelo, por meio da agências dos grandes bancos.

Na realidade os bancos escondiam o produto, dado a melhor rentabilidade de outras operações de crédito. Para saber o que isso pode ter de insight para a sua Fintech, deixa eu contar um pouco do que fizemos:

Do business plan ao MVP

O primeiro passo foi montar um business plan. Lembro até hoje que lançamos receitas de taxa de abertura de crédito no percentual de 3% do valor financiado. Também lançamos receitas de publicidade, afinal éramos um portal. E, por fim, receita de venda de informações que seriam geradas na plataforma. Doce ilusão.

O segundo passo foi montar uma versão do Portal que foi, na verdade, uma evolução do que fazíamos dentro da empresa onde trabalhávamos. Não sabíamos nada de lean startup, mas acabamos praticando alguns de seus princípios. O terceiro passo foi nos cadastrarmos numa competição de planos de negócios, a versão antiga da aceleração de startups.

Incrivelmente, o MIT – sim, ele mesmo – nos selecionou para fazer um one to one pitch para dois fundos de venture capital que haviam selecionado nossa ideia.

Partimos para Boston e, ao chegar no MIT, descobrimos que um dos investidores que selecionou nossa ideia era ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco que, na época, tinha acabado de fundar a Rio Bravo Investimentos. E ele não foi nosso único potencial investidor. Puntocom Holdings e, mais tarde, o Banco Opportunity, bastante ativo no tema também se interessaram. Mas, depois de um tempo, vimos que os os contatos de Boston não evoluíam e voltamos ao Brasil. Conseguimos realizar a primeira operação de crédito via plataforma sem ao menos conhecer o tomador.

Não foi uma operação de compra de imóvel como idealizamos, mas um mútuo com garantia imobiliária. Nessa hora, a velha validação do cliente-alvo nos mostrou que podíamos estar focando em algo errado. De toda forma, conseguimos instalar simuladores de crédito imobiliário nos principais portais de venda de imóvel da época, o PlanetaImóvel e o Imovelweb, para capturar leads, mesmo que nunca tivéssemos ouvido falar em leads.

Depois da primeira venda era chegada a hora de crescer, mas, para isso, precisávamos de funding, já que a primeira operação havia sido viabilizada com recursos próprios e esse não era nosso business model.

O desafio do modelo de negócios

A tentativa de se conectar aos bancos em uma época na qual eles acreditavam que número de agências era sinal de grandeza e que API não fazia parte do dia a dia das corporações não foi nada fácil. Ficou logo evidente que os bancos não estavam predispostos a ser a outra parte do marketplace. Fizemos contatos que não evoluíram. Foi por terra a ideia de eles serem a fonte de monetização, pagando um fee sobre o valor financiado que seria, na prática, o CAC (custo de aquisição de clientes) deles e o nosso revenue model.

Pivotamos o modelo de receitas e passamos a cobrar um percentual de 3% do valor financiado do cliente final. Infelizmente, isso encarecia muito a operação para quem tinha bom crédito e acabava jogando no nosso colo os clientes de maior risco, sem que tivéssemos um formato consolidado de securitização (venda) desse perfil de créditos.

O início do fim

Tivemos diversas discussões com fundos de investimento para que dessem o funding para nossa expansão. Nos EUA, a operação da Mortgage.com crescia aceleradamente, mas aí veio o estouro da bolha digital e a queda da Nasdaq. O nosso sonho virou pesadelo. O negócio começou a perder tração, e os grandes bancos começaram a ver o crédito imobiliário como uma oportunidade para eles próprios explorarem diretamente. Os potenciais investidores sumiram assustados com a reviravolta do mercado.

Até hoje reflito se adotamos a estratégia de validação de hipóteses mais adequada. Havia claramente um problema relevante a ser resolvido, mas não houve product-market fit em função das limitações do nosso modelo de negócio.

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O final da história foi que os bancos passaram a operar seus próprios sites e simuladores. Os portais de imóveis começaram a cobrar mais e mais para colocar nossos simuladores de captura de leads em suas plataformas. Não conseguimos o funding necessário para rodar o negócio com volume. A solução foi internalizar a operação na empresa mãe e tentar novas alternativas que não aconteceram.

Esse desafio abriu os meus olhos para a necessidade de inovação. Foi, como se diz na Endeavor, o meu Day1. Mais do que isso, ficou claro para mim o quão importante é ter um modelo de captura de valor e barreira de imitação sobre nossas ideias. E que timing é tudo, mas o estrago já estava feito. Eu havia sido picado pela mosca da inovação.

Quem sabe se a ideia tivesse sido apresentada na atual conjuntura tivéssemos melhores resultados. Mas não há melhor timing que suplante a ausência de um modelo de negócios inexistente. No seu próximo projeto inovador, não deixe de reanalisar oportunidades antigas. Nunca se sabe quando elas voltarão com toda força.

Até a próxima inovação.

 

Artigo originalmente publicado no site da Endeavor.

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