Bernardo Hees

Poucos dias antes de ser anunciada a fusão da Heinz com a Kraft Foods, Bernardo Hees pousava em São Paulo para uma breve temporada de negócios no Brasil. Na noite chuvosa e praticamente intransitável do dia 20 de março de 2015, uma sexta-feira, ele chegou com 30 minutos de antecedência à Ambev – dos empresários Jorge Paulo Lemann, Marcel Telles e Beto Sicupira, sócios-fundadores da 3G Capital – para um encontro com a comunidade de bolsistas da Fundação Estudar.

Cumprimentou os outros adiantados, um a um, e em seguida pediu licença para atender uma ligação dos Estados Unidos. Voltou no horário marcado para o bate-papo, 18h. Sentou-se numa cadeira posicionada no centro da sala – rodeada por estudantes, jovens no início da sua trajetória profissional, executivos e empreendedores – todos ansiosos para ouvir suas lições de carreira e os bastidores de suas experiências profissionais como um CEO brasileiro no exterior.

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“Não faço ideia do que vamos falar aqui hoje”, começou, soltando uma sonora risada. “Depois desse disclosure, podemos falar sobre o que vocês quiserem.” Obviamente, não diria uma só palavra sobre a transação que seria anunciada três dias depois, formando a terceira maior companhia de alimentos e bebidas da América do Norte e a quinta maior do mundo. O acordo foi firmado em uma velocidade recorde – foram apenas dez semanas de negociação entre as companhias. E Bernardo foi o escolhido para comandar a nova Kraft Heinz Company.

Por outro lado, respondeu com serenidade e transparência a diversas perguntas sobre liderança, cultura empresarial, gente e gestão – extremamente relevantes e diretamente associadas a este momento tão importante para a Heinz e sua carreira em particular. O Na Prática esteve lá e traz com exclusividade os melhores momentos do bate-papo. Confira:

Cultura empresarial

“Cultura e valores não são negociáveis: são o que são. Todos os erros que eu já cometi na minha trajetória profissional – que foram muitos – aconteceram sempre que eu fui contra a cultura do lugar onde estava. No caso da Heinz, a gente pode sumarizar a cultura em uma palavra: dono – ownership, em inglês. Também prezamos pelo trabalho duro, com ética, por fazer mais com menos. Esse é o único jeito de fazer as coisas? Óbvio que não. Não tem certo e errado – há companhias centenárias com culturas bem diferentes da nossa. Recomendo a todos que trabalhem em empresas que partilhem das suas crenças. Isso não quer dizer que você precisa concordar sempre com tudo, mas vai funcionar bem trabalhando ali.”

Estratégia x Execução

“Acho engraçado quando a gente recruta alguém que veio de um MBA, e a pessoa fala que quer trabalhar com estratégia. Eu fico me perguntando: o que significa isso? Na Heinz, a gente só acredita em estratégia na execução. Acreditamos que companhias bem executadas, mesmo sem estratégia, não quebram. Já companhias com boas estratégias, sem execução, quebram. O sucesso não está na estratégia, está na execução. Se você puder combinar as duas coisas, espetacular. Se tiver que escolher, escolha a execução. Você não vai errar. Companhias bem executadas vão achar seu caminho.”

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Como identificar um negócio bom

“Se o negócio tem um fundamento bom, ele tem músculo, flexibilidade e longo prazo. Também olho o poder da marca, como o produto gera valor, suas dinâmicas de competição e se tem potencial de melhoria e consolidação futura. Quando investimos na Heinz, a gente tinha muita vontade de ser mais um player importante no setor de bens de consumo e via que a companhia tinha o potencial de se consolidar no mercado ao longo do tempo.”

O risco educado

“Você não vai acertar sempre. Coisas vão dar certo, coisas vão dar errado. Mas você sempre pode melhorar suas decisões com disciplina e estudo. A gente erra, claro, mas com informação. Conhecemos bem nossos parâmetros e estamos sempre dentro deles. Quando a gente toma um risco, a gente sabe muito bem onde está pisando.”

Gente boa

“A gente faz um deal a cada alguns anos e, quando isso acontece, a tendência é mandar alguém do nosso time para o comando e levar outras quatro ou cinco pessoas que têm a nossa cultura e velocidade nos instrumentos como suporte. São pessoas de dentro que estão fazendo um bom trabalho na companhia e que estão com fome de fazer mais. Tivemos mais de 1 mil promoções internas na Heinz no ano passado. Mas também procuramos no mercado pessoas de fora que têm um conhecimento espetacular do negócio para ajudar enquanto a gente aprende. Se você une essas pessoas tem um time muito bom para começar.”

Aprendizados como líder

“É importante você entender o que não sabe, seus gaps. Parece óbvio, mas é um ótimo começo. Talvez tão importante quanto entender o que você sabe. Quando você entra numa companhia nova, leva um tempo para se aprender sobre o negócio. Nos primeiros dois anos, a gente faz as coisas dentro do bom senso e, enquanto aprende, se cerca de pessoas que sabem muito sobre o negócio. É preciso desenvolver sua capacidade de aprender e ouvir, além de humildade para reconhecer e colocar pessoas que sabem mais do que você nas posições chaves.”

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Como tomar as decisões certas como CEO

“O CEO não toma decisão nenhuma. Se toma, tem alguma coisa errada. A função de um líder é fazer as perguntas certas. Na Heinz, eu pergunto ininterruptamente, sou um perguntador. Não sei o que tem que ser feito no mercado de sopa no Reino Unido, por exemplo, mas sei perguntar para o time exatamente o que eu preciso saber. É o time que tem as respostas.”

No chão de fábrica

“Como CEO da Heinz, fui até a maior fábrica de ketchup do mundo, localizada no norte de Ohio, para me certificar em operador. As pessoas ficaram um tanto surpresas, pois a última vez em que um CEO tinha pisado lá tinha sido 45 anos antes. Em quatro dias, aprendi como funciona o processo inteiro de produção, em todos os detalhes. Quando alguém me faz uma pergunta técnica, sei exatamente do que ele está falando.”

Um CEO brasileiro no exterior

“Nos EUA, o respeito vem com a performance. Quando assumi o Burger King ninguém me conhecia. Eu era novo na indústria e mais jovem do que sou hoje. Mas logo comecei a mostrar serviço e provar que tinha bom senso. Se você começa a falar coisa que não faz sentido, o cara te questiona, e não quer saber se você é CEO. Eles não ligam para o sotaque, nem para sua origem. O que eles querem é consistência e entrega. É uma sociedade muito pragmática.”

Ser CEO no Brasil x ser CEO nos EUA

“Os americanos logo te perguntam a regra do jogo. Quando você deixa claros quais são seus valores e crenças, o americano decide se quer jogar no seu time ou não. Você aprende a ser transparente com as pessoas. E, para isso, tem que saber exatamente o que você quer, qual é o plano de longo prazo do seu negócio. Uma vez que você acredita naquilo, seja consistente e comunique desde o dia primeiro.”

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Como identificar um talento

“A primeira coisa que eu olho para identificar um talento é brilho no olho, vontade de fazer alguma coisa. Se você tiver que fazer o cara acordar de manhã, esquece. Todo o resto você ensina. É muito poderoso quando você coloca um objetivo para pessoas automotivadas. Também tento entender sua capacidade de simplificação e se tem espírito de dono.”

Como reagir diante de um erro

“Para qualquer erro que você cometa, busque corrigi-lo rapidamente e não repetir o mesmo tropeço. Não tenho problema com erros novos, mas repetir um erro é grave. Mostra que você não aprendeu nada.”

O segredo para escrever as metas certas

“Escrevo metas há 20 anos e todo ano eu melhoro. É um processo. Hoje, separo um fim de semana do meu ano só para ler todas as metas da companhia. Temos hoje 3.500 funcionários com metas individuais, e duas pessoas controlam todos os indicadores. A Heinz está engatinhando ainda – está muito melhor do que era, mas há um longo caminho pela frente. Ainda não está bom, mas vamos chegar lá.”

Sonho grande

“Meu sonho grande hoje é na Heinz. Esse é meu projeto de longo prazo, meu projeto de vida. Tem muita coisa pela frente, a gente só está começando.”

Assista também ao bate-papo do Na Prática com Bernardo Hees

 

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